domingo, 29 de julho de 2018

PAUL VERLAINE

Paul Verlaine

França 

30 Mar 1844 // 8 Jan 1896

 

Sabedoria I, III

Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?

Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,

Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.

Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.

E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!

Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu? E que alma capaz de os contar
Consola isso a que podes chamar tuas dores?

Ah, os outros, ah, tu! Crendo em vãos lisonjeios,
Tu que sonhavas (e era também demasiado)
Com uma qualquer morte suave e ligeira!
Ah, tu, que espécie de anjo sempre amedrontado!

Mas que intenções, que planos? Terás energia
Ou o choro destemperou esse teu coração?
A julgar pela casca, é uma árvore macia
E os teus ares não parecem de vencedor, não.

Tão desastrado ainda! e com a agravante inútil
De seres cada vez mais um sonolento idílico
A fitar pla janela o céu sempre tão estúpido
Sob o astuto olhar do diabo do meio-dia.

Sempre o mesmo na tua extrema decadência!
Ah! — Mas no teu lugar, e assumindo as culpas,
Um ser sensato quer impor outra cadência
Com o risco de alarmar um pouco os transeuntes.

Não terás, vasculhando os recantos da alma,
Um vício pra mostrar, qual sabre à luz do dia,
Algum vício risonho, descarado, que arda
E vibre, dardejante, sob o céu carmim?

Um ou mais? Se os tiveres, será melhor! E parte
Prà guerra e briga a torto e a direito, sem
Escolher ninguém e enverga a indolente máscara
Do ódio insaciado, mas farto também...

Não devemos ser tansos neste alegre mundo
Onde a felicidade não é saborosa
Se nela não vibrar algo perverso, imundo,
E quem não quer ser tanso tem de ser maldoso.

— Sabedoria humana, eu ligo a outras coisas
E, de entre esse passado de que descrevias
O tédio, em conselhos ainda mais penosos,
Só consigo lembrar-me, hoje, do mal que fiz.

Em todos os estranhos passos desta vida,
Dos lugares e dos tempos, ou também dos meus
«Azares», de mim, dos outros, da estrada seguida,
Sempre retive apenas a graça de Deus.

Se me sinto punido, é porque o devo ser.
O homem e a mulher não estão aqui em vão.
Mas espero que um dia possa conhecer
O perdão e a paz que aguardam os cristãos.

É bom não sermos tansos neste mundo efémero,
Mas pra que o não sejamos na eternidade,
O que é mais necessário que reine e governe
Nunca é a maldade, mas sim a bondade.

Paul Verlaine, in "Sabedoria"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Arthur Rimbaud

Arthur Rimbaud
Nasceu a 20 Outubro 1854
(Charleville-Mézières, França)
Morreu em 10 Novembro 1891
(Marselha, França)
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud foi um poeta francês. Produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente sendo descrito por Paul James, à época, como "um jovem Shakespeare". Aos 20 anos já havia escrito 20 livros de poesia.
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NO CABARÉ VERDE - às cinco da tarde


Oito dias de estrada, as botas esfoladas
De tanto caminhar. Em Charleroi, desvio:
- Entro no Cabaré Verde: peço torradas
Na manteiga e presunto; que não seja frio.

Despreocupado estiro as pernas sobre a mesa
Verde e me esqueço a olhar os temas primitivos
Sobre a tapeçaria. - Adorável surpresa,
A garota de enormes tetas, olhos vivos,

- Essa, não há de ser um beijo que a afugente! -
Rindo, vem me trazer meu pedido numa
Bandeja multicor: pão com presunto quente,

Presunto rosa e branco aromado de um dente
De alho, e o chope bem gelado, boa espuma,
Que uma réstea de sol doura tardiamente.

Outubro de 1870

sábado, 14 de julho de 2018

Separando a erva dos prados – Walt Whitman


Separando a erva dos prados.
Separando a erva dos prados, aspirando o seu raro aroma,
Dela reclamo a espiritualidade,
Exijo o mais íntimo e abundante companheirismo entre os homens,
Peço que ergam as suas folhas, as palavras, actos, seres,
Esse de límpidos ares, rudes, solares, frescos, férteis,
Esses que traçam o seu próprio caminho, erectos e livres avançando, conduzindo e não conduzidos,
Esses de indomável audácia, de doce e veemente carne sem mácula,
Esses que olham de frente, imperturbáveis, o rosto dos presidentes e governadores como se dissessem Quem és tu?
Esses de natural paixão, simples, nunca constrangidos, insubmissos,
Esses de dentro da América.
Tradução de José Agostinho Baptista.
Um dos poemas de Cálamo
Parte de uma carta de Walt Whitman ao seu editor inglês William Rosseti, em 1867. “Cálamo é uma palavra corrente. Trata-se da erva ou juncácea aromática de grande porte que cresce nas zonas pantanosas dos vales, cujo caule mede quase um metro de altura;…

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Charles-Pierre Baudelaire, percursor do simbolismo e da poesia moderna, 1821-1867

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Spleen

Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;

Quando se muda a terra em húmida enxovia
D'onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;

Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
D'uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,

- Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espíritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;

Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh'alma sombria. A sucumbida Esp'rança,
Lamenta-se, chorando; e a Angústia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães
Obtido em Wikisource
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