sábado, 26 de março de 2022

 

4- Serguei Iessiênin

Expoente de outra ramificação das vanguardas, o Imagismo, Serguei Iessiênin também simbolizou a tragédia vivida pelos grandes poetas soviéticos: viveu 30 anos de grande furor literário e pessoal, foi casado com a precursora da dança moderna Isadora Duncan, e encerrou sua vida enforcado num quarto de hotel, 7 anos após o Outubro. Seu suicídio afetou fortemente a vida de outros autores de sua geração, principalmente de Maiakóvski, grande admirador de sua obra e que o dedicou, postumamente, o poema “A Serguei Iessiênin” (Nesta vida morrer não é difícil./ O difícil é a vida e seu ofício).

A confissão de um vagabundo

Nem todos sabem cantar
Não é dado a todos ser maçã
Para cair aos pés dos outros.
Esta é a maior confissão
Que jamais fez um vagabundo.
Não é à toa que eu ando despenteado,
Cabeça como lâmpada de querosene sobre os ombros.
Me agrada iluminar na escuridão
O outono sem folhas de vossas almas,
Me agrada, quando as pedras dos insultos
Voam sobre mim, granizo vomitado pelo vento.
Então limito-me a apertar mais com as mãos
A bolha oscilante dos cabelos.
Como eu me lembro bem então
Do lago cheio de erva e do som rouco do amieiro
E que nalgum lugar vivem meu pai e minha mãe,
Que pouco se importam com meus versos,
Que me amam como a um campo, como a um corpo,
Como à chuva que na primavera amolece o capim.
Eles, com seus forcados, viriam aferrar-vos
A cada injúria lançada contra mim.
Pobres, pobres camponeses,
Por certo, estão velhos e feios,
E ainda temem a Deus e aos espíritos do pântano.
Ah, se pudessem compreender
Que o seu filho é, em toda a Rússia,
O seu melhor poeta!
Seus corações não temiam por ele
Quando molhava os pés nos charcos outonais?
Agora ele anda de cartola
E sapatos de verniz.
Mas sobrevive nele o antigo fogo
De aldeão travesso.
A cada vaca, no letreiro dos açougues,
Ele saúda à distância.
E quando cruza com um coche numa praça,
Lembrando o odor de esterco dos campos nativos,
Lhe dá vontade de suster o rabo dos cavalos
Como a cauda de um vestido de nooiva.
Amo a terra.
Amo demais a minha terra!
Embora a entristeça o mofo dos salgueiros,
Me agradam os focinhos sujos dos porcos
E, no silêncio das noites, a voz alta dos sapos.
Fico doente de ternura com as recordações da infância.
Sonho com a névoa e a umidade das tardes de abril,
Quando o nosso bordo se acocorava
Para aquecer os ossos no ocaso.
Ah, quantos ovos nos ninhos das gralhas,
Trepando nos seus galhos, não roubei!
Será ainda o mesmo, com a copa verde?
Sua casca será rija como antes?
E tu, meu caro
E fiel cachorro malhado?!
A velhice te fez cego e resmungão.
Cauda caída, vagueias no quintal,
Teu faro não distingue o estábulo da casa.
Como recordo as nossas travessuras,
Quando eu furtava o pão de minha mãe
E mordíamos, um de cada vez,
Sem nojo um do outro.
Sou sempre o mesmo.
Meu coração é sempre o mesmo.
Como as centáureas no trigo, florem no rosto os olhos.
Estendendo as esteiras douradas de meus versos
Quero falar-vos com ternura.
Boa noite!
Boa noite a todos!
Terminou de soar na relva a foice do crepúsculo…
Eu sinto hoje uma vontade louca
De mijar, da janela, para a lua.
Luz azul, luz tão azul!
Com tanto azul, até morrer é zero.
Que importa que eu tenha o ar de um cínico
Que pendurou uma lanterna no traseiro!
Velho, bravo Págaso exausto,
De que me serve o teu trote delicado?
Eu vim, um mestre rigoroso,
Para cantar e celebrar os ratos,
Minha cabeça, como agosto,
Verte o vinho espumante dos cabelos.
Eu quero ser a vela amarela
Rumo ao país para o qual navegamos.
(Traduzido por Augusto de Campos)

 A arte abstrata ou abstracionismo é geralmente entendido como uma forma de arte que não representa objetos próprios da nossa realidade concreta exterior. Ao invés disso, usa as relações formais entre cores, linhas e superfícies para compor a realidade da obra, de uma maneira "não representacional".o que é arte abstrata

sexta-feira, 18 de março de 2022

Jalal al-Din Rumi (talvez o maior poeta persa, 1207)

 

Jalâl ad-Din Rûmî

§

A evolução da forma 
Toda forma que vês
tem seu arquétipo no mundo sem-lugar.
Se a forma esvanece, não importa,
permanece o original.

As belas figuras que viste,
as sábias palavras que escutaste,
não te entristeças se pereceram.

Enquanto a fonte é abundante,
o rio dá água sem cessar.
Por que te lamentas se nenhum dos dois se detém?

A alma é a fonte,
e as coisas criadas, os rios.
Enquanto a fonte jorra, correm os rios.
Tira da cabeça todo o pesar
e sorve aos borbotões a água deste rio.
Que a água não seca, ela não tem fim.

Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode ser isto segredo para ti? [1]

Finalmente foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo – um punhado de pó –
vê quão perfeito se tornou!

Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.

Passa de novo pela vida angelical,
entra naquele oceano,
e que tua gota se torne mar,
cem vezes maior que o Mar de Oman. [2]

Abandona este filho que chamas corpo
e diz sempre “Um” com toda a alma.
Se teu corpo envelhece, que importa?
Ainda é fresca tua alma.

– Jalâl ad-Din Rûmî, em “Poemas Místicos: Divan de Shams de Tabriz”. [seleção, introdução e tradução José Jorge de Carvalho]. São Paulo: Attar Editorial, 1996.
[1] Lembrando que isto foi dito em pleno século XIII, em meio ao islamismo.
[2] Na simbologia persa, estava associado ao Oceano Divino.

quinta-feira, 17 de março de 2022

 

Ode à Paz

Pela
verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego, dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa
passar a Vida!
 
        NATÁLIA CORREIA