quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Um dos mais importantes escritores europeus da atualidade

 Valter Hugo Mãe é o nome artístico do escritor português Valter Hugo Lemos. Além de escritor é editor, artista plástico, apresentador de televisão e cantor. Wikipédia

Nascimento: 25 de setembro de 1971 (idade 50 anos), Saurimo, Angola
Nome completo: Valter Hugo Lemos
 Wook.pt - o apocalipse dos trabalhadores

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

 

O diagnóstico que faço da «crise da arte contemporânea» não pode fazer-me concordar nem com os seus adversários nostálgicos nem com os seus adoradores assalariados, mas reivindico sem nenhum complexo o direito de amar esta arte e de a defender, como reivindico o direito de nela criticar um ou outro aspecto que julgo fraco, sobrevalorizado ou fabricado. Apenas não tenho um espírito religioso, nem supersticioso, nem profético, e ainda menos espírito de corpo: amo a arte contemporânea porque amo a arte simplesmente, por prazer e não para obter a minha salvação, constituir o património de amanhã, celebrar os demiurgos, impor o meu gosto ou fazer parte da gente chique.

Yves Michaud, La Crise de l’art contemporaine: Utopie, démocratie et comédie, Paris: PUF, 2011.

 De que sistema falamos quando falamos deste sistema feito da proliferação de centros, museus, galerias, ateliers, espaços privados e públicos, redes; de bienais, trienais, festivais, feiras, leilões; de vernissages, finissages, conferências, talks, lançamentos, performances, happenings? Que mecanismos garantem a sua legitimação simbólica, institucional e fiduciária? E quais as forças centrífugas e centrípetas que dão forma aos seus círculos de certificação, consenso e consagração, assegurando a consistência dos seus estratos de validade e a rapidez dos seus circuitos de valorização? Quais são e como são representados os papéis de artistas, mediadores, curadores, programadores, produtores, conservadores, galeristas, marchands (agora dealers), gestores, directores de comunicação, editores, coleccionadores, mecenas, críticos, historiadores, jornalistas, comentadores, influencers, fundos financeiros, especuladores, nesta peça que tem o mundo por palco, a imanência por transcendência e o instante por eternidade? Num meio e no meio de tanta proliferação, tanta repetição, tanta exibição, tanta saturação, em que parece já tudo ter sido mostrado e visto, experimentado e explorado, como é possível que surja ainda a criação, a invenção, a novidade, a originalidade, a surpresa, o espanto, o futuro?

 Revista ELECTRA

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 Vencedora do tradicional Prêmio Juca Pato, Laerte Coutinho

 

domingo, 14 de novembro de 2021

Jacques Prévert (Jacques Prévert foi um poeta e roteirista francês. Após o êxito da sua primeira coleção de poesias, Paroles em 1946, Prévert tornou-se um grande poeta popular, graças à sua linguagem familiar, senso de humor, hinos à liberdade e jogo com as palavras. Wikipédia Nascimento: 4 de fevereiro de 1900, Neuilly-sur-Seine, França Falecimento: 11 de abril de 1977, Omonville-la-Petite, La Hague, França

 

O discurso sobre a paz

No final de um discurso extremamente importante
o grande homem de Estado, estrebuchante
com uma bela frase furada
fica hesitante
e desampara a bocarra escancarada
resfolegante
mostra os dentes
e a cárie dentária de seu raciocínio pacificante
deixa exposto o nervo da guerra
a delicada questão do montante.

Le discours sur la paix

Vers la fin d’un discours extrêmement important
le grand homme d’Etat trébuchant
sur une belle phrase creuse
tombe dedans
et désemparé la bouche grande ouverte
haletant
montre les dents
et la carie dentaire de ses pacifiques raisonnements
met à vif le nerf de la guerre
la délicate question d’argent.

(in Paroles)

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Inventário das cores-2-Vermelho

 

Inventário das cores-2-Vermelho

 

Não associo o vermelho ao inferno ( infernos, pois existem no plural diferentes departamentos e instâncias para os castigos eternos, que o divino Dante encenou na Divina Comédia), essa reminiscência das grutas sombrias onde pintámos as mãos, ou da erupção vulcânica que afundou a Atlântida dos minoicos, não, não associo ao fogo do inferno, nem ao fogo que servia de justificação para as fogueiras que carbonizaram hereges reais e inventados, ou, nessa onda infernal, ao vermelho do fogo dos fornos de Auschwitz. Não é a esses fogos que associo o vermelho que quero esquecer mas não consigo, rio vermelho de sangue que escava a grande sepultura que é o Progresso.

Mas, antes, sem ser pelo contrário, ao vermelho associo os barretes frígios da Grande Revolução de 1790 e aos sapateiros que se fizeram deputados e generais, associo às bandeiras flutuando nas barricadas de 1845-46 que me arrancaram lágrimas juvenis imaginando-as nas páginas imortais de Os Miseráveis, de Victor Hugo, às mesmas  bandeiras de novo erguidas pelos communards de 1871, ao fogo dos canhões da Guarda Nacional que defendeu a primeira democracia do mundo, que veio a comover o nosso Santo Antero, o trágico, o bom, e não queria lembrar mas lembro os 20 mil communards fuzilados pela Burguesia raivosa, a mesma Burguesia que não muda nunca, governo do povo pelo povo não isso jamais!, o crítico de O capital, Karl Marx, escreveu a propósito um dos mais proféticos textos que alguma vez se escreveram e o poeta revolucionário Arthur Rimbaud, por seu lado, o tremendo poema O Barco Bêbado com um ritmo e palavras (ouçamo-lo na voz de Léo Ferré!) que ninguém assim se atrevera antes, (...)

Sim, chorar eu chorei! São mornas as Auroras!
Toda lua é cruel e todo sol, engano:
O amargo amor opiou de ócios minhas horas.
Ah! que esta quilha rompa! Ah! que me engula o oceano!

Da Europa a água que eu quero é só o charco
Negro e gelado onde, ao crepúsculo violeta,
Um menino tristonho arremesse o seu barco
trémulo como a asa de uma borboleta.

(...) “O amargo amor opiou de ócios as minhas horas”!

Ah!a Burguesia triunfante que não perdoa aos que lhe cospem na mão insidiosa e hipócrita! Porque sim, lembro as cerejas e o Tempo das Cerejas,  

Quand nous chanterons le temps des cerises

Et gai rossignol et merle moqueur

Seront tous en fête

Les belles auront la folie en tête

Et les amoureux du soleil au cœur

Quand nous chanterons le temps des cerises

Sifflera bien mieux le merle moqueur

......................................

Quando nós cantarmos o tempo de cerejas

E alegre rouxinol e tordo

Estarão todos em festa

As belas terão folia na mente

E os amantes, sol no coração

Quando nós cantarmos o tempo de cerejas

Assoviará bem melhor o tordo

 

Mas é bem curto o tempo de cerejas

Onde vamos os dois colhê-las a sonhar

Sobre os brincos

Cerejas de amor, de roupas parelhas

Tombam baixo as folhas em gotas de sangue

Mas é bem curto o tempo de cerejas

Brincos de coral que a gente colhe a sonhar

 

Quando estiveres no tempo de cerejas

Se tiveres medo das tristezas do amor

Evita as belas

Eu que não temo as penas cruéis

Eu não viverei sem sofrer um dia

Quando estiveres no tempo de cerejas

Também terás as dores do amor

 

Eu amarei sempre o tempo de cerejas

É daquele tempo que eu guardo no coração

Uma ferida aberta

E a Dama Sorte, tendo me oferecido

Não poderá jamais terminar minha dor

Eu amarei sempre o tempo de cerejas

E a lembrança que guardo no coração

......Na voz de Yves Montand (de que morte foi matada a canção francesa depois de Brel, Montand, Jane Birkin e Serge Gainsbourg, Léo Ferré?),

 

É à doçura ingénua das papoilas que quero associar, à beira dos caminhos por onde corriam meus pés de petiz no longínquo século trespassado, tão ingénuos como elas que se vergavam impúdicas ao vento penetrante das manhãs das primaveras, toda a maldade dos tirano e seus carrascos ali mesmo no ângulo das esquinas e eu não sabia, mas adiante! Que agora lembro

 

Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico,
um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

 

Pensamos por associações. Também. Como as cerejas vermelhas na cesta, uma puxa a outra e outra puxa não uma cereja, mas uma ideia rubra, uma rosa de sangue, uma perda , um luto, uma paixão recusada ou um esplendor que se fina num tédio mortal.

  Naquele tempo Filipe e eu gostávamos da mesma rapariga. Do alto dos nossos doze anos (ou onze?) tínhamo-nos como grandes homens destemidos, brigávamos os dois meio a brincar só nós dois e muito a sério com a malta do bairro vizinho, sem tréguas e sem motivos, só porque sim, na estrada não alcatroada, batida,com casarões coloniais nas margens,enormes varandas replicadas,oiço-me a dizer “Que sombras esplêndidas!”, como se quisesse omitir a miséria nas traseiras,a avenida das putas. mangais e cajueiros bravos, acácias nos passeios,

   Ó rubras acácias das avenidas

   Tão acesas nas manhãs enamoradas,

   Para que cova da verdade crua,

   Vos lançaram,

Que só o vermelho ficou em mim!

 

Mas, dizia eu, a menina era só uma, e nós éramos dois, qual de nós escolher? Parecia ela matutar,ou talvez não, ambos sem escolhas, o Filipe porventura temia eu, e ela ali ao pé,na sombra da acácia, uma flor ensanguentada aos pés, morena,fruto daquela mistura em que nos tornámos multiétnicos com o racismo na algibeira e um cravo na lapela, os olhos dois carvões à espera de arderem na idade a caminho, ali nos fins das tardes eu a via, menina e moça, bem formosa,ajudava a sua mãe numa banca improvisada com galinhas gordas em cestas de juncos entrelaçados, e dúzias de ovos prateados ao sol,sem “aditivos e conservantes”. A mãe da Clotilde achava-nos graça mas não dava folgas à filha porque era auxiliar preciosa naquela espécie de exploração doméstica do trabalho infantil. O meu pai ofereceu-me por esse tempo uma bicicleta, uma máquina mais sedutora que as sereias de Ulisses, toda ela era tão vibrantemente rubra que ao desvelá-la me apeteceu levá-la pela mão como se empurravam carrinhos de madeira com um cordel na minha infância, e o sol tórrido faiscava sobre ela como um rubi, nos olhos da miúda provavelmente uma tímida chama, todo ufano eu saracoteava sobre a terra dura que os pés dos negros, às centenas, pisavam nas idas e nos regressos, olhando talvez para a minha bicicleta vermelha e pensando sabe-se lá em quê, só Clotilde sorria, o Filipe enciumava-se furioso trepando como um Tarzan ao cajueiro na outra margem, balançando-se com uma mão só, fracassada tentativa, performances dessas fazia ela e talvez melhor, o que nem ele não possuía era uma bicicleta, nem vermelha nem doutra cor...

Filipe não estudou mais que o 5º ano do liceu. Morreu-lhe uma irmão fulminado com tétano e ele ficou meio maluco. Foi para a guerra e saiu dela sem uma perna.Nunca mais o vi.Se calhar foi fazer companhia ao irmãozinho que ele adorava.

Clotilde trabalhou como costureira até morrer de parto sem assistir à independência do seu país.Dizia-se que em miúda fora violada por dois magalas, não sei, naquele tempo tudo era fácil e inculpado, bastava ser branco e soldado.A Clotilde. Nome estranho, tímido eu era tanto que não lhe perguntei porque tinha aquele e não os nomes das mulatas e dos negros comuns. Dei-lhe um primeiro beijo sem ramo de rosas.Uma flor de acácia para a mão que a admitiu. Fiquei lerdo a tremer um bom bocado de tempo, depressa a bicicleta se pôs em fuga com o dono em cima.

 Paixão foi mais tarde, testosterona a explodir enfim, denunciada em versos que lembravam demasiado Camões,que eu amara definitivamente na voz tonitruante de um professor que deve agora morar no paraíso porque era católico e era inspirador daquelas criaturas adolescentes que o seu Deus, porém, se esquecera de proteger dos sonhos nefastos, dos sonhos traídos.

 Pois eu ao vermelho associo nostalgia.

A minha.

Sempre que um povo se alevanta é o Tempo das Cerejas. Ás vezes leva muito tempo para se alevantar.Às vezes a canção se cala na boca e uma rosa vermelha incendeia o lugar do coração. É muito tempo para quem só tem uma vida para viver.Clotilde, uma vida breve, Filipe, uma vida amputada.Vinte mil a tombar lá do alto do primeiro assalto ao céu, vinte mil rosas vermelhas no lugar do coração. Muitos mil viriam levantar do chão sangrento o testemunho. São esses muitos mil que trago do lado esquerdo. Levo-os comigo para onde fui e vou. A morena Clotilde vai à frente. Leva flores da acácia no caixão.

 

 Nota: as bandeiras vermelhas nasceram em Paris em 1848 na “Primavera dos Povos”empunhadas pelos trabalhadores logo traídos, e esmagados, pela Burguesia que a eles deveu todo o triunfo que ainda hoje permanece. 

 

NOZES PIRES

Torres Vedras, 12/10/202

terça-feira, 14 de setembro de 2021

 

Todas as cores- 1- Verde

 

Associo ao verde a vida e a morte. Eu explico. A vida é clorofila, as primogénitas algas verdes, a gritaria verde na primavera no meu quintal, a superfície verde das águas da baía da antiga Lourenço Marques que eu percorria num barquito de três metros por metro e meio feito de tábuas euma grand elona roubada a uma carrinha volkswagen dos anos sessenta em plena rua à meia noite - diabruras dos quinze anos que nunca ensinei aos meus filhos -, as mangas verdes comidas com sal nos grandes logradouros das casas coloniais, os grandes gafanhotos verdes que fugiam com saltos olímpicos apenas quando me aproximava um palmo  olhavam fixa e tranquilamente, à espera que eu me aproximasse, julgando-me muito astuto, e lá iam eles pelos ares fora rindo à socapa (porque os bichos pequenos também riem!), e aquele verde nos olhos ardentes de Garcia Lorca, «

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas le están mirando
y ella no puede mirarlas.

              ...........................................

              Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche su puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos,
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

Ou aqueles «

Verdes são os campos,
Da cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração., do Zeca...
Pois bem, ou pois mal : apesar dessa associação entre vida e verdura, está aí a morte. Está inclusivamente em poemas como estes. Em Garcia Lorca. Na tragédia que se anuncia, na tragédia que sucede fatalmente. Lei da vida, lei da morte. Morte que é vida, vida que é morte. Sabeis isso, não é verdade? «A las cinco de la tarde. Eram las cinco en punto de la tarde». Hora infalível. Como na história do árabe que encontrou a Senhora precisamente na cidade para onde dela fugira...A folha que cai da minha macieira fecunda e que foi verde e agora é amarela, silenciosa, discreta, esquecida como um marginal, um fracassado, um expropriado da vida, aqueles corpos verdes e inchados que dão às costas da Europa, Morte que joga ao xadrez no filme de Bergman (o filme é a preto e branco, se não verdes seriam as peças do xadrês; seriam o que fossem, porque quando A vi era puto fiquei verde,  Cuando tú desembarcas
no conoces,
no sabes que detrás de las ventanas
escuchan,
rondan
carceleros de luto,
retóricos, correctos,
arreando presos a las islas,
condenando al silencio,
pululando
como escuadras de sombras
bajo ventanas verdes(...)

Cantava o génio de Neruda para o herói da minha juventude, “bajo ventanas verdes”, sei-o bem, aprendi bem depois, é o ódio do verdugo, verde as suas sombras nas rondas das esquinas, verdes os caminhos sem luar...Ou aquelas verduras da Ofélia de Millais

E, a vida, a morte que se chama vida nos dedos artríticos de um quase cego Manet, dos Nenúfares...

  A vida que pela morte continua a sua marcha não sei para onde. Porque não sei a razão porque começou.

 

--Nozes Pires---

 

12/09/2021

 Os nenufares de Claude Monet e uma homenagem fotográfica | vicio da poesia