quinta-feira, 16 de abril de 2020

16 abril 2020

Vítima do Covid 19

In memoriam
de
Luís Sepúlveda
(1949-2020)

Morreu um escritor talentoso e um antigo e apaixonado combatente da Unidade Popular do Chile. «o tempo das cerejas» publicou em 2019, por ocasião do 11 de Setembro, extractos do seu belo artigo «Memorial de los Dias Felices» (de 2003) que agora se reproduzem de novo.

«(...) A treinta años del crimen, hay miserables que interpretan el suicidio de Allende como una derrota. No entienden las razones de un hombre leal, que en el fragor del combate entendió que su último sacrificio evitaría a su pueblo la máxima de las humillaciones; ver a su dirigente, a su líder, encadenado y a merced de los tiranos.

Queridas compañeras, queridos Compañeros: no hay honor más grande que el haber sido compañeros de lucha y de sueños de un hombre como Salvador Allende. No hay orgullo mayor que esos mil días liderados por el Compañero Presidente.

No somos víctimas ni del destino ni de la ira de un dios enloquecido. La historia oficial, la mentira como razón de Estado nos presenta como a responsables de un crimen que, cada vez que intentan explicar, las palabras huyen de sus bocas pues no quieren ser parte del vocabulario de la vergüenza. Si nuestro intento por hacer de Chile un país justo, feliz y digno nos hace culpables, entonces asumimos la culpa con orgullo. La cárcel, la tortura, las desapariciones, el robo, el exilio, el no tener un país al que volver, el dolor, si todo eso era el precio a pagar por nuestro esfuerzo justiciero, entonces sépase que lo hemos pagado con el orgullo de los que no renunciaron a su dignidad, de los que resistieron en los interrogatorios, de los que murieron en el exilio, de los que regresaron a luchar contra la dictadura, de los que todavía sueñan y se organizan, de los que no participan de la farsa pseudo democrática de los administradores del legado de la dictadura.

Junto a Salvador Allende fuimos protagonistas de los mil días más plenos, bellos e intensos de la historia de Chile. Sobre nosotros dejaron caer todo el horror, pero no consiguieron ni conseguirán borrar de nuestros corazones el Memorial de los Años más Felices.

Cuando en los momentos más duros de nuestros mil días, la provocación del fascismo, de la derecha, del imperialismo yanqui, hacía que la ira se instalara peligrosamente en nuestros ánimos, el Compañero Presidente nos aconsejaba: "Vayan a sus casas, besen a sus mujeres, acaricien a sus hijos". Ahora, a treinta años de la gran traición, que la cercanía de los nuestros, que el recuerdo de los que nos faltan, y el orgullo de todo lo que hicimos sean los grandes convocantes de lo que debemos recordar. Que las palabras Compañera y Compañero suenen como una caricia, y bebamos con orgullo el vino digno de las mujeres y los hombres que lo dieron todo, que lo dieron todo y pensaron que no era suficiente.»


Agosto 2003

quarta-feira, 15 de abril de 2020

TINTORETTO nasceu há 500 anos. O inventor da imagem-cinema

Tintoretto | Historia das ArtesTintoretto, nome artístico de Jacopo Robusti (Veneza, ca. 151831 de maio de 1594), foi um dos pintores mais radicais do maneirismo. Por sua energia fenomenal em pintar, foi chamado Il Furioso, e sua dramática utilização da perspectiva e dos efeitos da luz fez dele um dos precursores do Barroco. Seu pai, Battista Comin, era tintore (tingia seda), o que lhe valeu o apelido.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

quarta-feira, 1 de abril de 2020

A CULTURA E UMA VOZ QUE SE IMPÕE


Os artistas no porão
(Original AQUI)
« Os artistas encontram-se em graves apuros. Estamos todos no mesmo barco? Até podemos estar, mas alguns vão no porão, que inunda mais depressa. E não haverá botes salva-vidas para todos. Onde é que já vimos esta história antes? Ainda por cima, sejamos honestos, trata-se de Portugal. 
Faço parte do clube que acha que a ficção não é um refúgio. O meu entendimento é precisamente o contrário: A realidade é que é o refúgio, porventura para aqueles que não possuem «nem um grão de imaginação», nas palavras do poeta. Infelizmente a tendência dos governos é para colocarem a cultura no final das suas prioridades, como se gerir um país fosse um alinhamento destes telejornais de agora. 
Em que tudo passa à frente da cultura: o futebol, os fait-divers, as parvoíces pegadas… E depois, lá na cauda do noticiário, aparece, um, não mais, um evento (medonha palavra) cultural. Acontecem coisas, às vezes, muito extraordinárias, em termos artísticos, no país e as pessoas não dão conta, nem reparam, porque o seu olhar já foi sequestrado por qualquer trivialidade ou escândalo. E andam elas em síndroma de privação, numa ressaca nebulosa, sem sequer saberem do que padecem. 
Porque o ser humano precisa desesperadamente do simbólico. Porque precisamos aflitivamente de atravessar a ponte para o outro lado, que é o da ficção. E não é porque a «humankind cannot bear very much reality», nesse verso de T S Elliot, frase abundantemente profanada, que o bom do senhor nunca disse. Quem o diz é um pássaro num desses longos, místicos e sombrios poemas de Elliot. Como quando comentamos que, segundo Pessoa, «o melhor do mundo são as crianças», suspeitando que o poeta apenas quis arranjar rima para «danças». Ou que a inveja é uma característica muito portuguesa porque vem no fim dos Lusíadas, quando ele explicitamente se refere à glória de Aquiles, da Ilíada. Aquilo que se diz, a realidade é a coisa mais imponderável do mundo, os factos são dissolúveis, liquefeitos, como os relógios de Dali. A realidade, ao contrário da ficção, não é de confiança. Quem imaginaria que a Europa poderia atravessar uma crise pandémica desta magnitude? Quem suporia estas cidades fantasmas, pessoas encurraladas em casa, ruas desertas? Cadáveres de velhos esquecidos em lares? Quem poderia prever que a expressão isolamento social entrasse no nosso léxico com tamanho à-vontade? Agora, instalado o pânico, é curioso que até ministros apelem à leitura. 
Fiquem em casa: Leiam, dizem eles. Enquanto durante tantos executivos, a literatura foi sendo desprezada, menorizada, relegada, ainda que tivéssemos um Camões (à altura de um Cervantes), um Pessoa (à altura de nenhum outro), um Eça (à altura de um Machado de Assis), um prémio Nobel… Nem um por cento do OE para a cultura no nosso país. Preferimos orientarmo-nos todos, de repente, para a monocultura do turismo, e seus derivados, que todos sabemos é actividade de enriquecimento rápido, mas volúvel, instável e transitória… Estando a arte na base da cadeia alimentar dos desígnios nacionais, sendo os artistas este fictoplânton em que os quiseram transformar, estão totalmente vulneráveis às menores oscilações das bolsas, mercados, terrorismos, e até vírus… Os artistas encontram-se em graves apuros. Estamos todos no mesmo barco? Até podemos estar, mas alguns vão no porão, que inunda mais depressa. E não haverá botes salva-vidas para todos. Onde é que já vimos esta história antes? Ainda por cima, sejamos honestos, trata-se de Portugal. Que, é sabido, nos dias de hoje, não tem uma preponderância política, nem na UE nem no mundo, nem militar nem geoestratégica. Já tivemos alguns momentos gloriosos na História. Já tivemos uma revolução exemplar. 
Agora, com toda a franqueza, o que o país tem de mais valioso para se orgulhar é a sua cultura. Dispomos de artistas, escritores, arquitectos de excepção. E em vez de termos solidificado a cultura, e investirmos em algo perene, sólido, e sustentado, que se ergue uns centímetros acima de todo estas conjunturas que vão e vêm, destas poeiras vãs, lanugens da história, que lhes passam por baixo com um enorme alarde, condenámo-la à indigência.
O pior é ir no naufrágio e não termos onde nos agarrar.» 
Ana Margarida de Carvalho. Escritora