quinta-feira, 25 de novembro de 2021

 

O diagnóstico que faço da «crise da arte contemporânea» não pode fazer-me concordar nem com os seus adversários nostálgicos nem com os seus adoradores assalariados, mas reivindico sem nenhum complexo o direito de amar esta arte e de a defender, como reivindico o direito de nela criticar um ou outro aspecto que julgo fraco, sobrevalorizado ou fabricado. Apenas não tenho um espírito religioso, nem supersticioso, nem profético, e ainda menos espírito de corpo: amo a arte contemporânea porque amo a arte simplesmente, por prazer e não para obter a minha salvação, constituir o património de amanhã, celebrar os demiurgos, impor o meu gosto ou fazer parte da gente chique.

Yves Michaud, La Crise de l’art contemporaine: Utopie, démocratie et comédie, Paris: PUF, 2011.

 De que sistema falamos quando falamos deste sistema feito da proliferação de centros, museus, galerias, ateliers, espaços privados e públicos, redes; de bienais, trienais, festivais, feiras, leilões; de vernissages, finissages, conferências, talks, lançamentos, performances, happenings? Que mecanismos garantem a sua legitimação simbólica, institucional e fiduciária? E quais as forças centrífugas e centrípetas que dão forma aos seus círculos de certificação, consenso e consagração, assegurando a consistência dos seus estratos de validade e a rapidez dos seus circuitos de valorização? Quais são e como são representados os papéis de artistas, mediadores, curadores, programadores, produtores, conservadores, galeristas, marchands (agora dealers), gestores, directores de comunicação, editores, coleccionadores, mecenas, críticos, historiadores, jornalistas, comentadores, influencers, fundos financeiros, especuladores, nesta peça que tem o mundo por palco, a imanência por transcendência e o instante por eternidade? Num meio e no meio de tanta proliferação, tanta repetição, tanta exibição, tanta saturação, em que parece já tudo ter sido mostrado e visto, experimentado e explorado, como é possível que surja ainda a criação, a invenção, a novidade, a originalidade, a surpresa, o espanto, o futuro?

 Revista ELECTRA

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

 Vencedora do tradicional Prêmio Juca Pato, Laerte Coutinho

 

domingo, 14 de novembro de 2021

Jacques Prévert (Jacques Prévert foi um poeta e roteirista francês. Após o êxito da sua primeira coleção de poesias, Paroles em 1946, Prévert tornou-se um grande poeta popular, graças à sua linguagem familiar, senso de humor, hinos à liberdade e jogo com as palavras. Wikipédia Nascimento: 4 de fevereiro de 1900, Neuilly-sur-Seine, França Falecimento: 11 de abril de 1977, Omonville-la-Petite, La Hague, França

 

O discurso sobre a paz

No final de um discurso extremamente importante
o grande homem de Estado, estrebuchante
com uma bela frase furada
fica hesitante
e desampara a bocarra escancarada
resfolegante
mostra os dentes
e a cárie dentária de seu raciocínio pacificante
deixa exposto o nervo da guerra
a delicada questão do montante.

Le discours sur la paix

Vers la fin d’un discours extrêmement important
le grand homme d’Etat trébuchant
sur une belle phrase creuse
tombe dedans
et désemparé la bouche grande ouverte
haletant
montre les dents
et la carie dentaire de ses pacifiques raisonnements
met à vif le nerf de la guerre
la délicate question d’argent.

(in Paroles)