sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

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A Canalha – Jorge de Sena

A Canalha
Como esta gente odeia, como espuma
por entre os dentes podres a sua baba
de tudo sujo nem sequer prazer!
Como se querem reles e mesquinhos,
piolhosos, fétidos e promíscuos
na sarna vergonhosa e pustulenta!
Como se rabialçam de importantes,
fingindo-se de vítimas, vestais,
piedosas prostitutas delicadas!
Como se querem torpes e venais
palhaços pagos da miséria rasca
de seus cafés, popós e brilhantinas!
Há que esmagar a DDT, penicilina
e pau pelos costados tal canalha
de coxos, vesgos, e ladrões e pulhas,
tratá-los como lixo de oito séculos
de um povo que merece melhor gente
para salvá-lo de si mesmo e de outrem.


Este artigo encontra-se em: voar fora da asa http://bit.ly/2WhGDol

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Exposição de Paula Rego em Paris visitada por mais de 183 mil pessoas

A exposição da pintora portuguesa Paula Rego no Museu de l'Orangerie, em Paris, recebeu cerca de 2.350 pessoas por dia desde a abertura, em outubro, até ao encerramento, no início de janeiro, disse hoje a diretora da instituição.

Exposição de Paula Rego em Paris visitada por mais de 183 mil pessoas
Notícias ao Minuto
Há 1 Hora por Lusa
Cultura Artista
"A boa surpresa é que não só a adesão é boa - mais de 183 mil pessoas passaram pela exposição -, mas acima de tudo é a receção da crítica e da imprensa, que tem sido excelente. Podemos ficar muito satisfeitos com o acolhimento que esta artista, um pouco desconhecida em França, teve e também no passa-palavra entre o público que veio à exposição", afirmou a diretora do Museu de l'Orangerie e também curadora da exposição, Cécile Debray, em declarações à agência Lusa.
A exposição de Paula Rego em Paris esteve aberta ao público 77 dias, entre 17 de outubro e 14 de janeiro, e foi, durante esse período, visitada por mais de 183 mil pessoas.
Em 2018, o museu bateu mesmo o recorde de visitantes, recebendo mais de um milhão de pessoas. Este é o museu que abriga as telas gigantes de nenúfares de Monet e tem ainda uma coleção permanente com obras de Picasso e Matisse, entre outros.
Esta foi a primeira grande mostra do trabalho de Paula Rego na capital francesa, algo que surpreendeu os visitantes do museu e despertou um interesse renovado pelo trabalho da artista.
"Há agora mais do que uma curiosidade, houve quase um choque não só devido ao poder da sua obra, mas com o porquê de não se conhecer melhor esta artista em França. Vários visitantes e também críticos questionaram mesmo o porquê de se ter esperado tanto tempo para fazer uma grande exposição como esta sobre Paula Rego", disse a diretora.
Para além da exposição, o museu organizou também um ciclo de conferências e cinema à volta da artista, mostrando outras perspetivas sobre a sua vida e a sua obra que teve sempre salas repletas.
"A sua obra torna-a muito atual. Se ela mostrasse apenas um lado mais doce da vida, o interesse não seria o mesmo. A sua atualidade vem exatamente da maneira como ela aponta o dedo, a maneira como ela trata a condição feminina, mas também as relações entre os homens e as mulheres, entre os adultos e as crianças", explicou Cécile Debray.
Para o futuro, a diretora do Museu de l'Orangerie espera que a exposição sirva como um "novo sopro" à obra de Paula Rego: "Penso que há desde já uma repercussão em Inglaterra, com uma tomada de consciência desta artista que veio da Escola de Londres. E adoraria que ela também fosse mostrada nos Estados Unidos. A ideia desta exposição foi sempre dar um novo sopro à sua obra".

domingo, 20 de janeiro de 2019


Proj-logo

Arquivo Pessoa

OBRA ÉDITA · FACSIMILE · INFO
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Álvaro de Campos

ODE TRIUNFAL

ODE TRIUNFAL

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical —
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força —
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um acesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de L’Opéra que entram
Pela minh’alma dentro!

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vários; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer;
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes —
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraître amarelos como uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente.
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes —
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta).

Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

Up-lá hô jockey que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas.

E ser levado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!

Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o! —
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje...)

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos brocas, máquinas rotativas!

Eia! eia! eia!
Eia electricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô! eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-la! He-hô! H-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!

                        Londres, 1914 — Junho.
6-1914
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
 - 144.
1ª publ. in Orpheu, nº1. Lisboa Jan.-Mar. 1915. Lacunas completadas segundo: Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Arte

Vhils expõe 54 portas com 18 retratos de índios em Brasília

"Incisão", uma mostra realizada pelo artista português Vhils em conjunto com a comunidade indígena, estará em exposição na Caixa Cultural Brasília entre domingo e 3 de março.
A mostra consiste numa instalação composta por 54 portas de madeira, "recolhidas na cidade", lembrando "o processo de desenvolvimento e transformação que as cidades, aqui [no Brasil] particularmente, mas também em todo o mundo estão a sofrer"
ANTÓNIO COTRIM/LUSA
Autor
  • Agência Lusa
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O trabalho resultante de uma residência artística que o português Vhils realizou em 2014 com índios no Brasil está em exposição a partir de domingo em Brasília, para chamar a atenção e “dar voz” a uma comunidade.
“Incisão” resultou de uma residência artística que Alexandre Farto (que assina Vhils) realizou em 2014 em Curitiba, capital do estado do Paraná, e na comunidade Guarani da Aldeia Aracaí, situada no mesmo estado.
Fizemos uma série de intervenções na comunidade, com a comunidade, e convidámos parte a ir ao museu em Curitiba [onde ‘Incisão’ foi mostrada pela primeira vez, em 2014] para colaborarmos”, recordou o artista em declarações à Lusa, a partir de Brasília, onde está para a inauguração da exposição.
A mostra consiste numa instalação composta por 54 portas de madeira, “recolhidas na cidade”, lembrando “o processo de desenvolvimento e transformação que as cidades, aqui [no Brasil] particularmente, mas também em todo o mundo estão a sofrer”.
“Trabalhámos sobre elementos que sobravam deste processo de transformação”, disse. Nas portas foram cravados vários rostos e motivos indígenas, incluindo 18 retratos de habitantes da Aldeia Araçaí.
Quatro das peças foram feitas por artesãos da comunidade Guarani, durante a montagem da exposição em Curitiba, e outras duas resultam de um trabalho conjunto entre o artista e os elementos daquela comunidade indígena.
Em 2014, a ideia foi “levar a realidade da comunidade indígena para a cidade”. “É uma comunidade que foi quase empurrada para fora de onde estava, que foi afastada do desenvolvimento da cidade, pelo crescimento de parte da cidade”, afirmou.
Vhils recordou que aquela comunidade de Aldeia Araçaí “estava na altura a passar por uma realidade muito dura e por um processo de deslocalização [a comunidade teve que mudar de local, em 2000, depois de ter sido obrigada por um programa governamental a abandonar a terra onde vivia], que chocou com modos de vida muito tradicionais”.
No final do mesmo ano, a exposição foi mostrada também em Recife, capital do estado de Pernambuco, com a mesma intenção: “Chamar a atenção desta situação, que não era só particular desta comunidade, havia muitas em várias partes do Brasil que estavam a sofrer com esta situação”.
No ano passado surgiu novo convite, agora para levar a mostra até Brasília.
Isto já estava a ser planeado há algum tempo, antes das eleições [presidenciais, que deram vitória a Jair Bolsonaro], mas acabou por ser algo que ficou bastante pertinente fazer-se agora, dadas todas as questões com o FUNAI (Fundação Nacional do Índio) e com a maneira como muitas destas transformações que estão a acontecer no Brasil estão a afetar estas comunidades ainda mais”, partilhou.
Para o artista, é “interessante perceber como um assunto que era atual na altura continua a ser, talvez ainda mais, atual hoje em dia”. Através do seu trabalho, Vhils tem tentado dar voz a “pessoas e comunidades que ficam nas franjas [do nível de desenvolvimento que o mundo está a seguir] e numa luta”.
No Brasil, tem desenvolvido trabalhos, “com comunidades que vivem situações de confronto ou um pouco à margem do desenvolvimento que o país tem tido nos últimos anos”, desde 2011.
Nos trabalhos artísticos, tenta desenvolver “uma ideia de ativismo”, por isso “trazer estes assuntos para os espaços expositivos mais convencionais e institucionais fez todo o sentido”.
Nascido em 1987, Alexandre Farto captou a atenção a ‘escavar’ muros com retratos, um trabalho que tem sido reconhecido a nível nacional e internacional e que já levou o artista a vários cantos do mundo.
Em junho do ano passado, esteve em exposição no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, uma obra com retratos de três moradores do bairro 6 de Maio, na Amadora, que Vhils fez em colaboração com o investigador em Estudos Urbanos António Brito Guterres, que, nos últimos anos, tem desenvolvido trabalhos em vários bairros da periferia de Lisboa.
“Incisão”, de entrada gratuita, estará patente na Caixa Cultural Brasília entre domingo e 3 de março.
Além das 54 portas, a mostra inclui um painel composto por 15 fotografias que forma um tela, bem como vídeos de ações artísticas e do procedo de execução da técnica de trabalho do artista.

Agora que entramos em 2019...

...é bom ter presente o importante que este ano pode ser. E quando vivemos tempos novos e confusos sentimos mais a importância de uma informação que marca a diferença – uma diferença que o Observador tem vindo a fazer há quase cinco anos. Maio de 2014 foi ainda ontem, mas já parece imenso tempo, como todos os dias nos fazem sentir todos os que já são parte da nossa imensa comunidade de leitores. Não fazemos jornalismo para sermos apenas mais um órgão de informação. Não valeria a pena. Fazemos para informar com sentido crítico, relatar mas também explicar, ser útil mas também ser incómodo, ser os primeiros a noticiar mas sobretudo ser os mais exigentes a escrutinar todos os poderes, sem excepção e sem medo. Este jornalismo só é sustentável se contarmos com o apoio dos nossos leitores, pois tem um preço, que é também o preço da liberdade – a sua liberdade de se informar de forma plural e de poder pensar pela sua cabeça.
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segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

«Quando alguém fala é preciso enquadrar o raciocínio nas sociedades do seu tempo. Temos muitos séculos de música muito bem feita e houve uma altura em que a música instrumental fez muito sentido. Durante o século XX o advento do elétrico trouxe uma nova construção da mentalidade social. Trouxe as bandas, trouxe novos movimentos. A música instrumental está novamente a ganhar preponderância. Acho que isto é por ciclos. A relevância da música instrumental no século XXI é para atrasar o seu tempo, para não condicionar a mente através das palavras. Na música instrumental cada um faz o seu filme, faz a sua viagem, constrói a sua própria história. Foi sempre assim durante muitos anos e hoje voltamos a um período em que cada um tem necessidade da sua própria história. Acho que a música instrumental vai ser cada vez mais relevante.»

RUI MASSENA
«A arte é isto mesmo, documenta o seu tempo.»
Rui MASSENA, maestro e compositor

domingo, 6 de janeiro de 2019

Arte na realidade virtual: Experiências pioneiras na Academia Real Inglesa

Arte na realidade virtual: Experiências pioneiras na Academia Real Inglesa
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Artistas da Academia Real Inglesa, a Royal Academy School of Arts de Londres, estão a desenvolver um projecto de criação artística virtual inovador.
As obras de arte virtuais por eles criadas serão posteriormente realizadas em impressão tridimensional e expostas numa mostra de escultura.
Para Elliott Dodd, um dos alunos da Academia Real, esta é a primeira experiência com realidade vistual.
“O desafio é principalmente começar do zero com uma tecnologia que nunca usei. É como pegar numa ferramenta com que nunca trabalhámos mas onde há mecanismos que entendemos, uma espécie de descoberta intuitiva de um programa informático que nunca usámos”, explicou Dodd.
Um atelier virtual pode libertar o artista de uma série de constrangimentos e é isso que Elliott Dodd diz das primeiras experiências com esta tecnologia:
“Há um vasto leque de experiências a fazer, porque o software está numa fase inicial de desenvolvimento, numa versão inicial. É difícil prever como vão desenvolver-se e ser utilizados estes programas de desenho, comercialmente ou no campo artístico. Por isso tudo aquilo que fazemos é ainda terreno desconhecido.”
Os artistas recorrem a dois programas: Tilt Brush, um programa de pintura, e Kodon, um programa de modelagem tridimensional.
O equipamento informático necessário a esta tecnologia é disponibilizado pela companhia HTC (High-Tech Computer Corporation) de Taiwan.
“O que há de emocionante sobre a realidade virtual é que, pela primeira vez, se estão a encontrar o mundo real e o imaginário, ou o mundo virtual. E como você pode ver aqui, esta noite, estes artistas entram no mundo virtual para criar peças de arte que depois trazemos para o mundo real como objetos tridimensonais – o que é um passo pioneiro”, afirmou Rikard Steiber, que se juntou à HTC para desenvolver o projeto de realidade virtual..
As obras serão expostas em janeiro de 2017 e os visitantes poderão interagir também com o processo criativo.