terça-feira, 25 de abril de 2017
sexta-feira, 21 de abril de 2017
Isso a que chamamos “Cultura”

Isso a que chamamos “Cultura”
A batalha das Ideias na produção de sentido
“O colonialismo ideológico acompanha sempre o colonialismo económico
e a libertação económica não é possível sem a libertação ideológica”
A Cultura
não é, em nenhuma das suas expressões, um ser imaculado nem intocável. A
sua própria existência exige a presença da crítica como condição
necessária e como motor do seu desenvolvimento histórico (especialmente
hoje) quando chegamos ao ponto em que a palavra “Cultura” pode ser usada
para significar quase todas as coisas. Umas vezes porque certos
caprichos epistemológicos, nos seus debates cada vez mais escolásticos,
cinzelam de bom grado a sua necessidade de chamar “Cultura” ao que não
se atrevem a qualificar como Ideologia. Outras vezes porque se fundaram
tradiçõesantropológicas, sociológicas ou filosóficas que se derramariam
sobre generalidades (cada vez mais confusas) se não contassem com um
conceito dique onde caiba tudo, incluindo a sua raiz de cultivo. Outras
vezes ainda porque atrás – ou debaixo- da palavra “Cultura” podem
camuflar-se ou esconder-se interesses de todo o tipo… – incluindo os
mais retorcidos. Basta recordar as aventuras culturais da NATO.
É muito
importante manter aberto o debate sobre a Cultura e seus significados.
“Cultura de massas”, “Cultura de Elite”, “Cultura Culinária”, “Cultura
Indígena”, “Cultura Popular”… “antropologia cultural”, “políticas
culturais”, “Indústrias Culturais”, “Narco cultura”… enfim, trata-se
hoje de um conceito faz-tudo que pode utilizar-se em qualquer momento
para dar lustro retórico a um sem-número de actividades, intenções ou
falácias. E o usuário fica bem perante os auditórios mais diversos,
bastando-lhe para isso invocar a Cultura que habitualmente é apresentada
como um ente intocável.
Do cultivo
dos campos passámos a cultivar o espírito e o século XVII inclinou o
seu significado para o cultivo das faculdades intelectuais. Com a
Ilustração a palavra “Cultura” tornou-se sinónimo de “Civilização” em
oposição de classe ao conceito “barbárie”, em oposição de classe entre
as forças da natureza e as forças da Cultura… actualização feita à
medida da Grécia clássica na divisão artificial capitalista entre o
trabalho físico e o trabalho intelectual. Nasce a ideia de que a Cultura
é um instrumento de dominação expressa nas Belas Artes, nos lucros da
burguesia. Só a classe culta produz “Cultura”, “saberes”, “progresso”,
“razão”, “educação”.
Também o
etnocentrismo se apoderou do conceito para modelar os imaginários
coletivos ao serviço do consumismo de mercadorias como máximo ganho
cultural permitido aos povos. Para cúmulo, isso a que se chama “Cultura”
enverniza-se com a ideia do folclore em oposição – matizada – face ao
iluminismo e ao romantismo e portanto não há “Cultura” mas “Culturas”.
Mesmo com uma carga, não poucas vezes, racista. E chegamos a usar o
conceito Cultura como sinónimo – reducionista – de organização de
espectáculos, feiras e exposições.
E hoje
somos dominados a nível planetário pela Cultura da Guerra (o comércio
por outros meios), realidade esta camuflada por todos os Mass Media. O
que, diga-se de passagem, nem sequer é uma novidade. Cinema, literatura,
televisão, vídeo-jogos… são hoje novos campos de disputa da luta de
classes que (também) se trava com valores, condutas e com sinais… na
cabeça e nos corações. É uma disputa de interesses, em sociedades
divididas em colonizadores e colonizados, para ganhar o terreno dos
imaginários onde se erguem os princípios, as ideias, os afectos…
cenários da Batalha das Ideias, dos Gostos e dos Hábitos. Disputa antiga
pelo domínio dos valores sociais, para pôr o mundo de pernas para o ar,
para tornar invisíveis as coisas que realmente contam e impor-nos como
valiosassó as mercadorias e a ideologia dominante. Claro que se trata de
uma disputa edificada sobre mísseis, canhões, metralha e golpadas…
cimentada com terrorismo financeiro, chantagem com investimentos e
vampirismo bancário.
As suas
armas estratégicas continuam a ser – entre outras – as Igrejas, o Estado
Burguês, a Educação e os mass media… que desenvolvem formas diversas de
violência psicológica planificada contra os povos, o aviltamento da
dignidade, a criminalização das rebeldias, a situação de ameaça
permanente e o amedrontamento como religião… É uma sequência de acções
alienantes sistemáticas convertidas em Indústria do entretimentoe do
prazer… é o sequestro dos jogos, do ludismo necessário, do sentido do
humor, das tradições colectivas e da identidade comum. É o sequestro do
social nas garras do individualismo, é o reino da fadiga, a moral da
extenuação, as privações e as carências daqueles que produzem a riqueza
concreta. É a perversão da ternura nas garras do sentimentalismo
lamechas; o parasitismo contra a solidariedade, contra a consciência de
classe e contra a organização social transformadora.
Se o mundo
é abalado pela crise prolongada do capitalismo, que na sua agonia
depreda e mata tudo à sua passagem, a Nossa América foi muito em
especial considerada “traspatio” onde o imperialismo praticou todas as
suas monstruosidades, que incluem a lista dos estragos terríveis
causados pela ideologia da classe dominante… nem por isso vamos ficar
calados. Não permaneceremos em silêncio, e muito menos hoje quando a
guerra psicológica permanente, que o capitalismo desencadeia com as suas
máquinas de guerra ideológica (radiofónicas, televisivas, impressas,
digitais…) se traduziu em golpes de Estado, magnicídios e genocídios.
Não vamos
emudecer perante a pressão quotidiana do consumismo febril, não
ficaremos indiferentes ante a intoxicação dos povos com a mentalidade
individualista. Não vamos evadir a nossa responsabilidade crítica face à
manipulação dos gostos, dos valores sob as manias disfarçadas de
“entretenimento”, noticiários, diversões, jogos e concursos… mesmo
quando disfarçados de escolas, institutos e universidades, tudo isto
constituindo uma ofensiva servil à lógica do império para saquear e
escravizar recursos naturais, mão-de-obra e a consciência dos povos.
Precisamos
de blindagens para a esperança de impulsionar uma grande Revolução
Cultural a partir do melhor que os nossos povos conquistaram em
centúrias de lutas emancipadoras, em séculos de aprendizagens e como
resultado de milhões de experiências teórico metodológicas. Num
continente que foi submetido a barbaridades de todo o género; num
continente que foi espezinhado por quase todos os impérios do planeta;
num continente extraordinariamente rico em matérias-primas, heranças
culturais e diversidades identitárias… num continente vitimado, com toda
a impunidade, pela avidez colonialista de escravizar a consciência e a
mão-de-obra dos seus povoadores, o desenvolvimento de uma grande
Revolução Cultural para a integração – desde as bases – não só parece
uma necessidade suprema, lógica e urgente… mas é sobretudo um acto de
justiça social de primeira ordem. E não se pode dizer que uma tal
Revolução não esteja, a seu modo e com as suas limitações, em marcha.
Revolução
Cultural continental para entender cientificamente o cenário actual da
disputa cultural e sonhar, objectivamente, com mudanças históricas
verdadeiras. “Se não mudarmos as ideias, não mudamos nada”. Uma
Revolução Cultural da Nossa América é,
por necessidade, uma Revolução económica, social e política. Revolução
alfabetizadora, uma Revolução ecológica, uma Revolução educativa, uma
Revolução do habitat, uma revolução do trabalho… e, também, uma
revolução artística, científica, comunicacional e ético-moral; em suma,
uma Revolução também da produção dos Símbolos emancipadores… ou será
nada.
Rebelión/Instituto de Cultura e Comunicação UNLA
Este artigo encontra-se em: as palavras são armas http://bit.ly/2pWsqfJ
segunda-feira, 17 de abril de 2017
Portugal – Alexandre O’Neill
Portugal
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato! *
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato! *
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . . .
© 1965, Alexandre O’Neill
From: Poesias Completas
Publisher: Assírio & Alvim, Lisbon, 2000
ISBN: 972-37-0614-8
From: Poesias Completas
Publisher: Assírio & Alvim, Lisbon, 2000
ISBN: 972-37-0614-8
terça-feira, 4 de abril de 2017
Salvador Dali, um dos maiores pintores de todos os tempos
Salvador Dali, um dos maiores pintores de todos os tempos
Salvador
Dali, um dos maiores pintores de todos os tempos, perseguiu, durante
todo o seu percurso artístico, a ideia da transgressão, quer a
transgressão temática, desconstruindo as narrativas mitológicas e as
narrativas do mundo real, tal como as interpretamos, quer a transgressão
formal, ao nível do estilo pictórico e ao nível da figuração, optando
por agigantar até ao limite as personagens e todos os elementos físicos
das suas composições. Repare-se, por exemplo, no efeito cinético,
conseguido na pintura “A Tentação de Santo António”, em que o cavalo,
desencabrestado, parece querer saltar para fora da tela.
Dali,
tal como Picasso, inaugurou um novo conceito de pintura, que eu designo
de surrealismo do fantástico ou, segundo alguns autores, do surrealismo
metafórico. Também poderíamos dizer que Dali trabalhou na tela a
alucinação, a loucura, a excentricidade e o assombro, numa tentativa de
intimidar o espectador, obrigando-o a ser mais activo na observação e na
interpretação da obra, já que, em relação ao passado, olhava-se para
uma pintura, de uma forma mais passiva e tranquila, tal como se se
observasse uma paisagem. Perante uma pintura de Dali, ninguém fica
indiferente. Pela intensidade das cores e pela distorção e gigantismo
das formas, e, também, pelo uso do plano da profundidade, que dá a
sensação de não ter fim, Dali impressiona e cria tensões emocionais nos
espectadores. Ele não é o pintor da estética harmoniosa. Na maioria dos
seus trabalhos emerge uma tensão de violência e uma sensação de
desequilíbrio, à beira do abismo.
Alexandre de Castro
2016 01 30
Este artigo encontra-se em: Alpendre da Lua http://bit.ly/2otVXAz
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