O livro Pequenos Delírios Domésticos,
de Ana Margarida de Carvalho, venceu o Grande Prémio de Conto Camilo
Castelo Branco, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores.
Ana Margarida de CarvalhoCréditos / The Booklovers
«Um
júri constituído por Cândido Oliveira Martins, Fernando Batista e
Isabel Cristina Mateus decidiu, por unanimidade, atribuir o prémio ao
livro Pequenos Delírios Domésticos, de Ana Margarida de Carvalho», lê-se no comunicado da Associação Portuguesa de Escritores (APE).
Segundo
o júri, «trata-se de um conjunto de contos que surpreende o leitor pela
invulgar actualidade temática e sociológica (dos incêndios que
devastaram o país, em 2017, aos dramas íntimos de portugueses
convertidos ao Estado Islâmico, de refugiados sírios num lar de velhos
ou de uma mulher tunisina que dá à luz num barco apinhado de gente
durante a travessia do Mediterrâneo, entre outros)».
A escritora
alia a estas histórias «um notável trabalho de precisão e depuramento da
palavra e, acima de tudo, um olhar atento aos dramas humanos,
independentemente do lugar mais ou menos doméstico que lhes serve de
palco», afirma o júri, em acta citada pela APE.
A estreia literária de Ana Margarida de Carvalho, Que importa a fúria do mar, valeu-lhe o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, em 2013, que voltou a receber em 2016 com Não se pode morar nos olhos de um gato, que foi também distinguido com o Prémio Manuel Boaventura.
Jornalista,
Ana Margarida de Carvalho, foi finalista este ano do Prémio P.E.N. na
categoria narrativa, com esta sua primeira obra de contos.
O
Grande Prémio, com o valor pecuniário de 7500 euros, é patrocinado pela
Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e será entregue em data a
anunciar, segundo a mesma fonte.
O Grande Prémio de Conto Camilo
Castelo Branco foi instituído, em 1991, pela APE e «destina-se a
distinguir uma obra em língua portuguesa de um autor português ou de
país africano de expressão portuguesa, publicada em livro, 1.ª edição,
no decurso do ano de 2017».
Grupo que inclui artistas, empresários e intelectuais lança manifesto contra Bolsonaro
Da Redação
portal@hojeemdia.com.br
23/09/2018 - 21h34
- Atualizado 21h44
Link:
Wilson Dias / Agência Brasil /
Manifesto, que tem lista de assinaturas aberta, ressalta ameça fascista representada pela candidatura do ex-militar
Grupo de artistas, ativistas, intelectuais e
empresários, dentre outras personalidades brasileiras, lançou, neste
domingo (23), manifesto contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).
Intitulado "Pela Democracia, Pelo Brasil", o documento afirma que a
candidatura dele representa "ameaça franca ao nosso patrimônio
civilizatório primordial". O manifesto foi publicado no site do movimento,batizado
"Democracia Sim", e a lista de signatários está aberta para quem quiser
assinar. A relação inicial já contava com cerca de 150 assinaturas.
Entre os nomes estão artistas como Caetano Veloso, Chico Buarque, Mano
Brown, Wagner Moura, Walter Sales, Camila Pitanga, Laerte e Maria Gadu;
jornalistas como Zeca Camargo, Eugenio Bucci, Gilberto Dimenstein e
Glória Kalil; empresários como Maria Alice Setúbal, educadora e
acionista do Itaú Unibanco, e Guilherme Leal, sócio da Natura; além de
profissionais diversos, como o médico Drauzio Varella, o economista
Bernard Appy, o advogado Oscar Vilhena e o antropólogo Luiz Eduardo
Soares.
O texto, que não indica apoio a qualquer candidato, ressalta a ameaça
aos direitos humanos que uma vitória do ex-militar representa. “Nunca é
demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes
autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a
promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações,
antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários”, afirma
o documento. Leia o manifesto na íntegra:
"Pela Democracia, pelo Brasil Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas.
Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e
projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos. Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a
liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no
Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico,
dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação. Como todos os brasileiros, sabemos da profundidade dos desafios
que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de
superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises
múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de
frustração e descrença. Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com
concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à
desconstrução da nossa herança humanista primordial. Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas
econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator
político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos
processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no
terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no
debate público. Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a
existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente
com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação
popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou
recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente
xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade,
refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o
arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente
matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca
de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso
democrático. Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos
assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria,
aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza
política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a
ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade.
Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo,
deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses
políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína
econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e
diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram
originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a
credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados
desmandos autoritários. Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos. Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento
do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na
construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim
agora. É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de
Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio
civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar
forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre
nós. Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e
prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos
trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da
superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da
cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para
avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor
caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas. Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em
qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes
possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa
pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania
compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa
que precisamos e podemos ser".
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
José Saramago
Escritor
José
de Sousa Saramago foi um escritor português. Galardoado com o Nobel de
Literatura de 1998. Também ganhou, em 1995, o Prémio Camões, o mais
importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi
considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da
prosa em língua portuguesa.Wikipédia
No
dia 8 de Outubro cumprem-se 20 anos da atribuição do Prémio Nobel da
Literatura a José Saramago. E, porque «a data o pede e a ocasião não o
desaconselha», o AbrilAbril falou com José Sucena, que, para além de administrador da Fundação José Saramago, foi amigo do escritor.
José Sucena na sala de exposições da Fundação José SaramagoCréditos / AbrilAbril
Ao
longo da conversa na Fundação José Saramago, em Lisboa, José Sucena,
que foi durante largos anos presidente da Editorial Caminho, cuja
chancela marcou grande parte da obra de José Saramago, falou da
simplicidade do homem, que o Nobel não conseguiu calar, e do que calou
Portugal em relação ao escritor.
O «grande veterano das letras portuguesas», como o designou a Reuters, é
até agora o único escritor português distinguido pela Academia Sueca
com o Nobel de Literatura, e, reconhece José Sucena, é também ele
«único».
Como foi a sua relação com José Saramago?
Eu
conheci o José Saramago em 1969, aquando da campanha eleitoral da CDE
[Comissão Democrática Eleitoral]. Na altura eu estava na tropa com o
Adriano Correia de Oliveira e foi necessário ir falar com o José
Saramago no sentido de ele dar uma colaboração específica para a
campanha.
Saímos do quartel e fomos ter com ele ao Bairro Alto, porque na altura ele era jornalista d’A Capital.
Lá fizemos o que era necessário fazer e só voltei a encontrar o
Saramago a seguir ao 25 de Abril. O grande contacto surge quando eu
assumo a condição de advogado da Editorial Caminho, em 1978, e depois o
lugar de presidente do conselho de administração, em 1983.
Aí
nasce não só uma relação de trabalho, mas também uma relação de amizade.
O Saramago era de facto um homem muito afável e era fácil ser seu
amigo. Saramago era meu amigo e eu era muito amigo dele.
Além de
um homem com uma grande ironia, com grande afabilidade, que facilmente
criava amigos, era um tipo muito solidário. Era interessante ouvir o que
o tinha para dizer.
Embora não tenha sido dessa forma que mais vezes o caracterizaram...
Sim,
porque ele tinha uma grande virtude, do meu ponto de vista: é que só
falava quando tinha alguma coisa para dizer. De facto tinha aquela cara
fechada, mas, quando se abria, era de uma ironia extrema e de uma grande
afabilidade. Eu não conheci nenhum escritor na Feira do Livro, antes e
depois do Prémio Nobel, que tivesse tanta gente a pedir autógrafos. E
ele estava lá horas, horas e horas, e nunca disse: «Eh pá, vou-me embora
que estou farto de aturar esta gente.» As
pessoas falavam com ele e ele respondia calmamente, com grande
cordialidade, apesar da cara de pau que as pessoas dizem que ele tinha. E
tinha, de facto [risos], mas há aqui uma contradição entre o parecer e o
ser.
Alimentada por quem?
Mais
pela comunicação social, propriamente. Por ele não. Há uma grande
diferença entre aquilo que os jornais imaginavam que ele fosse e aquilo
que ele de facto era. Não sei se haveria maldade ou ignorância, ou
porventura as duas coisas. No fundo, tudo se resume ao facto de ser
comunista. Ainda hoje se sente isso.
De que forma se sente?
Por
exemplo, nós estávamos à espera que houvesse, de fora para dentro, mais
iniciativas, e não notámos isso. Nós vamos fazer várias iniciativas mas
todas elas partem daqui: as propostas são daqui, as ideias são daqui,
embora haja a colaboração do gabinete do primeiro-ministro, dada a
amizade, o respeito e a consideração que o António Costa tinha por José
Saramago.
Aliás, é o António Costa que assume a entrega da Casa
dos Bicos à Fundação José Saramago (FJS). A partir daí, também sentiu
alguma responsabilidade em relação ao Saramago e à importância que o
Prémio Nobel tinha, não só para nós, portugueses, como para a língua
portuguesa.
Agora, é uma realidade que ainda há um anti-comunismo, não vale a pena estarmos a escamotear isto.
Ainda podem existir resquícios do «episódio Portugal-Espanha»?
Embora
os espanhóis tivessem considerado que o Prémio Nobel era também
espanhol, nunca senti da parte deles uma necessidade de absorverem essa
ideia, nem ciúmes da nossa parte.
O que nós sabemos, porque é uma realidade, é que ao
nível do interesse, quer do Estado espanhol, quer da população
espanhola, é muito maior esse interesse por parte da Espanha do que por
parte dos portugueses. Os espanhóis têm iniciativas autónomas e fazem
muita coisa à volta do Saramago. Nós aqui [FJS] empurramos mais as
questões porque senão não aparece nada.
Quase me apetece dizer
que, se não houvesse fundação, não sei se se falava do Saramago
hoje. Durante estes 20 anos, houve (em Espanha) dezenas de iniciativas,
em que o Saramago foi convidado para ser homenageado ou para divulgar,
pensar e discutir a sua obra, quer do ponto de vista ideológico, quer do
ponto de vista filosófico.
Como, por exemplo, no México. O México
tem uma paixão violentíssima pelo Saramago, ainda hoje. De tal maneira
que há uma altura em que ele está na Cidade do México para uma
conferência que estava prevista num teatro e a afluência começa a ser
tão grande que a organização teve que mudar desse teatro para um
muitíssimo maior e colocar ecrãs de televisão na rua porque o largo em
frente estava cheio de pessoas que queriam entrar e não podiam.
Também por iniciativa nossa, concretamente da Pilar del Río [presidente da FJS], Portugal é o país convidado da Feira Internacional do Livro de Guadalajara
[México], que é agora em Novembro, em homenagem a Saramago e por
ocasião dos 20 anos da atribuição do Nobel. Quer a Espanha, quer o
México são para mim dois pilares de divulgação do pensamento e da obra
do Saramago, muito mais do que em Portugal.
A obra de classe pode ajudar a explicar esse esquecimento?
Pode
ter a ver com a obra, sim. Por ser uma obra marcadamente política e de
classe, embora não seja partidária. Ele põe na obra o quê? As
preocupações que ele tem em relação à própria humanidade. Quando ele
recebe o Prémio [Nobel], comemora no seu discurso os 50 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Digamos que a obra dele é
estruturada nessa preocupação da defesa dos direitos humanos.
José Saramago, 1999CréditosPedro Soares /
Sem esquecer as próprias origens…
Sim,
aliás, também nesse discurso ele fala das suas próprias origens e da
situação complicada que foi a infância e a juventude. É um homem que,
sei lá, quando escreve A Caverna [2000], está a denunciar a sociedade de consumo que estamos a construir, que não pensa em mais nada a não ser no consumo. No Ensaio sobre a Cegueira [1995] denuncia a violência do homem em relação ao outro homem. Aliás, ele tem uma frase, não sei se sou capaz de dizer ipsis verbis mas a ideia é esta: «o homem é o único animal que mata os outros sem ser para se alimentar». No Ensaio sobre a Cegueira, o que ele quer dizer um pouco é isto.
«Em
Frankfurt, no dia 9 de Outubro, as primeiras palavras que pronunciei
foram para agradecer à Academia Sueca a atribuição do Prémio Nobel de
Literatura. Agradeci igualmente aos meus editores, aos meus tradutores e
aos meus leitores. A todos torno a agradecer. E agora também aos
escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de
hoje: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais
um que a eles se veio juntar. Disse naquele dia que não nasci para isto,
mas isto foi-me dado. Bem-haja, portanto.»
excerto do discurso de josé saramago em estocolmo, 10 de Dezembro de 1998
No Memorial do Convento,
que é uma obra marcadamente política em defesa da classe trabalhadora, o
que é que ele quer dizer com aquilo? Que aquele trabalho, aquela obra
brutal, lindíssima numa perspectiva arquitectónica, e com uma volumetria
que assusta, é consequência do trabalho e dos trabalhadores. Não é o
dinheiro do rei D. João V quem faz aquilo, é quem trabalha. Isto tem um
peso específico, não há nenhum escritor em Portugal que se pareça com
Saramago em relação a isso.
Como foi a relação dele com o PCP ao longo dos anos?
Foi
sempre uma relação cordial. Ele tinha óptimas relações com o Álvaro
Cunhal [1913-2005] e com o José Casanova [1939-2014]. Nunca vi o
Saramago contra o partido, [esteve] sempre disponível para o partido,
embora tivesse quatro ou cinco coisas em que manifestou uma opinião
contrária ao partido. Fazia parte dele, toda a gente sabia que ele era
assim. Quando ele não concordava, dizia que não concordava.
Mas sempre
foi um homem solidário com o partido, disponível para aparecer nas
coisas do partido. As discordâncias nunca foram motivo para grandes
perturbações. Quando sai de
presidente da Assembleia Municipal [Março de 1990], não é por alguma
divergência com o PCP, mas porque diz: «Eu não percebo nada disto, isto é
uma grande confusão, chateia-me. Mas porque é que eu me meti nisto?!».
Ele sai porque sente que não tem nem tempo, nem capacidade, nem aptidões
para ser um bom presidente da Assembleia Municipal. Ou seja, sai porque
ele próprio está em divergência com o cargo.
Regressando ao Nobel, que memórias guarda do dia em que foi anunciado o Prémio?
Eu
estava na Beira, na qualidade de presidente da Editorial Caminho. O
Presidente da República [Jorge Sampaio] e o primeiro-ministro [António
Guterres] fizeram uma viagem a Moçambique e convidaram entidades de
vários domínios, da economia, da cultura, e eu fui também.
Estava
num grande almoço que Portugal estava a dar às entidades moçambicanas e a
certa altura aparece-me o Paulo Dentinho [RTP] e disse: «O Saramago
ganhou o Nobel!»
Pediu-me logo uma entrevista, confesso que já não
me lembro o que lhe disse, para além da satisfação, do orgulho e da
vaidade, aquelas coisas que saem por muito que a gente queira evitar.
Como se desenrolaram as coisas a partir daí?
Também
tinha ido o Norberto Pilar, que era o presidente dos CTT na altura.
Deu-me os parabéns, fez um grande elogio e disse que tinha uma grande
admiração pelo Saramago.
Depois
chegámos a Lisboa e mais tarde telefonou-me. Disse-me que precisava de
falar comigo. «Vamos fazer um selo a propósito do Saramago», disse. Eu
respondi: «Óptimo, mas deixe-me primeiro falar com o Saramago, sabe que o
homem é esquisito nestas coisas.»
E sempre foi, não se queria
expor. Eu liguei-lhe e disse-lhe: «Olha que os CTT querem fazer-te uma
homenagem, fazer um selo. O que é que tu achas?». E o Saramago, que já
estava na cama, respondeu: «Se eles querem, diz lá que sim.» E lá fomos
fazer o selo.
E quando é que está pela primeira vez com Saramago, depois da notícia do Nobel?
Em
Lanzarote. Há uma guerra entre o João Soares [presidente da Câmara de
Lisboa] e o Manuel Maria Carrilho [ministro da Cultura], sobre quem vai a
Lanzarote buscar o Saramago. Acabou por ganhar o Carrilho. Além dele,
foi o José Manuel dos Santos, que era na altura o assessor da
Presidência da República para a área da Cultura, foi o Zeferino Coelho
[editor], fui eu, e não me lembro de mais ninguém.
Almoçámos em
casa do Saramago e viemos embora: ele, a Pilar e a Fátima Campos
Ferreira, que estava lá a fazer uma reportagem, também veio. Nunca mais
me esqueço disso. Veio meter-me uma cunha para vir connosco no avião. Eu
não a conhecia de lado nenhum mas o homem ganhou o Nobel e portanto
éramos todos amigos. Era uma espécie de 25 de Abril: conhecíamo-nos uns
aos outros, dávamos abraços uns aos outros.
Aliás, há um livro que
vai sair de um colaborador da Fundação José Saramago sobre o dia em que
os portugueses subiram todos três centímetros [Um país levantado em alegria,
de Ricardo Veil]. As pessoas que iam assistir a qualquer iniciativa de
Saramago, parecia que se conheciam todas. O Saramago fez com que
fôssemos todos amigos, era o ponto de convergência para aquela malta
toda.
Qual era o sentimento de Saramago?
Sempre
muito calmo, muito agradado como é evidente, mas muito calmo, com
aquela fleuma que sempre teve. Nunca foi um homem de exageros, nem de
excessos. Do ponto de vista público, muito introvertido, muito
concentrado, só dizia aquilo que era preciso dizer.