terça-feira, 14 de julho de 2020

MARK FISHER

Feb 2, 2019 · 5 min read
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Quando Mark Fisher morreu, fez agora dois anos, Franco Berardi escreveu um artigo em memória do amigo e companheiro, que conhecera em Londres. Mark Fisher era na altura uma referência incontornável nos círculos underground e ciberpunk londrinos, graças ao blog k-Punk, cujos textos se encontram reunidos no livro Ghosts of My Life e outros. Mas foi com o livro Capitalist Realism que Fisher se tornou conhecido para além daqueles círculos londrinos. O realismo capitalismo é a ideia de que o capitalismo é o único sistema económico e político possível, e de que não existe alternativa. De que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Trata-se de um regime que promove a ansiedade e a competição permanentes, dominado por pensamentos tóxicos e deprimentes, em que a doença mental e a depressão são endémicas. Em Capitalist Realism Fisher procurou politizar a depressão de que sofria e que o levou ao suicídio. Apesar da consciência aguda dos efeitos nefastos na psique humana provovados pelo capitalismo disfuncional, o livro de Fisher não está tomado pelo pessimismo ou desespero. Pelo contrário, Ficher exorta-nos a imaginar «futuros que não aconteceram mas que poderiam ter acontecido», não no sentido de reativar palavras e conceitos antigos, mas de criar alternativas inimagináveis, que o realismo capitalista nega a todo o momento. Acabar de uma vez com o “there is no alternative” dos anos negros do thatcherismo e que na realidade, como diz Berardi, sempre significou “there is no way out” do capitalismo. O sonho de Ficher de um renascimento da esquerda progressista, capaz de sarar a psique coletiva da depressão neoliberal, talvez não esteja longe de se concretizar. Esta é pelo menos a expetativa de Micah Uetricht que, num recente artigo publicado no Jacobin, diz que uma provável vitória de Corbyn, representaria princípio do fim do realismo capitalista.
No seu artigo, Berardi aponta para uma outra possibilidade: reativar o corpo social e erótico como instrumento de luta política e de libertação do controlo suicidário do capitalismo. Como criar linhas de fuga para fora da exploração que nos deprime e através da qual o capitalismo nos mantém reféns do medo e da psicose? Como reconquistar a felicidade e a alegria, quando o fascismo e suas paixões tristes triunfam em todo o lado, agravando as «feridas de classe», como diz Fisher − a competição, a precariedade, a pobreza, a exclusão? Berardi lembra como ficava intimidado pela timidez e fragilidade de Fisher, sempre que o encontrava. De como era difícil estabelecer com Fisher uma relação física, táctil: «Não me lembro de alguma vez o ter abraçado, diz Berardi, como faço normalmente com os amigos». Esta impossibilidade táctil — de um corpo tocar outro corpo, de um corpo ser afetado por outro corpo e assim criar um sentido comum, lá onde o sentido não existe — é a lembrança mais impressiva que Berardi guarda dos seus encontros com Fisher.
A decisão de Fisher de por fim à vida aconteceu numa altura em que, como hoje, a dimensão social se encontrava totalmente tomada pelo desespero. Não devemos no entanto confundir desespero, com depressão:« o desespero é uma condição do intelecto, não do coração ou do corpo», diz Berardi. O desespero resulta da perca de esperança quanto ao futuro. A depressão, pelo contrário, decorre da perceção da ausência de sentido do mundo. De acordo com Berardi, o núcleo profundo da depressão encontra-se na incapacidade de um corpo tocar o corpo do outro e de ser por ele tocado. E também na impossibilidade de criar, a partir do toque somático, um sentido que não existe em parte alguma, a não ser «neste tocar-se a pele um do outro». O desespero e a depressão não se resolvem na esfera do político, como desejava Fisher. Não se pode dar um sentido político à depressão quando a depressão é ausência de sentido. A depressão impede a realização das possibilidades de libertação inscritas no nosso «ser social e erótico», diz Berardi. O corpo erótico do outro é substituído, na era da internet, pela corpo como signo, mera informação. A empatia é substituída pela frustração violenta de corpos conectados, mas não em contacto, e isto impede a criação «de formas de cumplicidade contra o poder». Não se trata apenas de uma questão de felicidade individual. O corpo é fundamental para militância política e suas lutas. Sem a cumplicidade dos corpos não é possível a solidariedade. E sem a solidariedade não é possível «a rebelião, a autonomia e a emancipação do trabalho salariado». É preciso reconstituir o corpo social e psique humana, a partir de uma militância que recupere o sentido corporal e não apenas corporativo das lutas, e seja capaz de organizar a vida em modos opostos e alternativos ao do capitalismo dominante.
Romper o círculo vicioso neoliberal que transforma, sem cessar, o sofrimento social, em doença mental, e cujos efeitos Mark Fisher sofreu de forma tão dramática, como milhões de outras pessoas. De acordo com a Organização Mundial de Saude, a depressão é hoje uma doença endémica que afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Mark Fisher dizia que a doença mental é uma «doença de classe», que afeta aqueles que se encontram apanhados nas rédeas do capitalismo bipolar, oscilando constantemente entre a euforia e a depressão, o crescimento económico e a crise. Entre a valorização do individuo como asset e a sua rejeição como sujeito livre e autónomo.Como sair do realismo capitalista?
Num dos seus artigos, Amador Fernández-Savater diz que o movimento do espanhol 15M foi «um efeito da sensibilidade», um fenómeno de sensibilização coletiva. Uma convergência de afetos, vontades e desejos políticos, capazes de criar um «comum sensível», de se opor à concorrência e à competição, a guerra de todos contra todos, do capitalismo neoliberal. « A política, diz Amador Fernández-Savater, não é sobretudo uma questão de denúncia e de consciencialização, porque não há gota que faça transbordar o copo e o mal pode ser tolerado indefinidamente; é antes uma espécie de mudança de pele por meio da qual nos fazemos sensíveis a isto ou alérgicos àquilo. Não passa por convencer (discurso) ou seduzir (marketing), mas antes pela abertura de espaços, todo o tipo de espaços nos quais fazemos a experiência de outra forma de vida, de outra definição da realidade, de outra visão do mundo. Na luta pela hegemonia, a pele — a tua, a minha, a de todos — é o campo de batalha.»
Constituir espaços de liberdade e autonomia que exprimam a força do “estar juntos” e assim dar um sentido comum à existência. Não será isto o comunismo?
luis manuel rangel
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