Estrangeiros na terra do amor: sobre “Too Much”, nova série de Lena Dunham

Imagem: Divulgação
SEM SPOILERS
Por Cauana Mestre
Lena Dunham, a gênia por trás de Girls — que se tornou ícone da geração millenial — decide travar guerra contra o declínio da comédia romântica, provando que romance e conservadorismo são coisas diferentes (embora a gente os tenha misturado por muito tempo). Assim nasce a série Too Much, disponível na Netflix.

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A protagonista Jess (Megan Stalter) decide deixar Nova Iorque depois de ser abandonada pelo namorado, que a manipula como se sua demanda de amor fosse uma patologia. Diferentemente das personagens de Girls, Jess é bem-sucedida e adora o seu trabalho como produtora de comerciais de TV. Qualquer desajuste no campo profissional, por maior que seja, é elaborado e resolvido enquanto, no terreno do amor, as coisas ficam mais difíceis. A série reflete bem certos impasses dos jovens adultos hoje, que sofreram a pressão da necessidade de uma carreira sólida e de uma vida financeira estável sem ter a menor ideia de como conciliar o sucesso com o amor ou mesmo que condições podemos impor ao sucesso.
Assim que chega em Londres para assumir um novo trabalho, Jess conhece Felix (Will Sharpe), idealista músico de bar que tenta reparar a vida depois de um longo período de abuso de drogas. O óbvio a dizer aqui é que os dois são psiquicamente quebrados (e quem não é?), o que, para Lena Dunham, é condição criativa. Mas o que interessa mesmo é observar como as coordenadas da fratura subjetiva mudam de acordo com as demandas culturais do tempo em que vivemos.

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Em outras palavras: como, apesar de termos alcançado considerável liberdade sexual, pluralidade de experiência e uma infinidade de nomeações para as diversas formas de amar, alguns sofrimentos permanecem quase os mesmos, ainda que mudem de roupa.
Duhanm continua explorando as famílias desfuncionais (e que família não é?); a efetividade sempre atualizada dos traumas passados; o deslocamento social e político do mundo polarizado; a dificuldade na dissolução dos ideais que paralisam; a busca do amor como fonte de salvação e sofrimento. Mas agora parece haver maior naturalidade, menos truncamento nas experiências, o que torna as perguntas sobre o amor mais consentidas.

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Afinal, se há uma coisa que ganhamos desde 2017 — ano em que estreou a temporada final de Girls — foi a capacidade de legitimar nossas questões sobre o amor, e a confissão de que não importa em que tempo estejamos, queremos ser amados e protegidos do desamparo.
Enquanto a série Girls precisava ampliar o debate sobre sexo (quem não se lembra da icônica cena entre Marnie e Desi, interpretados por Allison Willians e Ebon Moss-Bachrach?), Too Much se dedica a explorar o amor — e talvez esse seja o traço disruptivo nos tempos atuais.

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Jess e Felix formam um casal improvável e cheio de furos (e que casal não é?), mas, justamente por isso, cativante. A loucura de cada um não fecha a loucura do outro, mas acolhe e diverte. Sentimos vergonha alheia ao mesmo tempo em que os amamos, pois sabemos que, no fundo, somos todos estrangeiros na terra do amor, forasteiros dentro das nossas próprias fantasias de final feliz: ele não existe, é claro, mas essa descoberta pode ser uma delícia.
PARA SE APROFUNDAR NO TEMA
Sobre o amor, de Leandro Konder
O
amor através dos olhos dos grandes pensadores e escritores. O filósofo
brasileiro explora as múltiplas facetas desse sentimento, desafiando
convenções e expondo suas complexidades com erudição, clareza e humor
fino.
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Cauana Mestre é psicanalista, mestre em Literatura pela UFPR.
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