sábado, 28 de maio de 2016

INQUIETAÇÃO

A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes

São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas

Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
Pra ficar pelo caminho

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda

José Mário Branco

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Deixou óculos no chão em museu e pensaram que era arte

Momento caricato provocado por jovem de 17 anos.

© Twitter/TJCruda

 
Um jovem de 17 anos, de visita ao Museum of Modern Art (MOMA) de São Francisco, nos Estados Unidos, protagonizou um momento caricato. A dada altura da visita, ele e os amigos colocaram um par de óculos no chão, junto à parede, como se estivesse em exposição. Rapidamente várias pessoas se aproximaram para fotografar a ‘obra de arte’.
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As imagens do momento foram captadas e partilhadas no Twitter pelo próprio ‘artista’, TJ Khayatan, e entretanto têm estado a correr as redes sociais. Só no Twitter a publicação já conta com mais de 45 mil partilhas.
TJ Khayatan foi entretanto entrevistado pelo site Buzzfeed, a quem contou que tanto ele como os amigos gostaram de várias peças de arte contemporânea que viram. Houve algumas peças, no entanto, “que não foram assim tão surpreendentes para nós”.
Houve uma obra de arte em particular que estranharam e que acabaria por dar-lhes a ideia de fazerem esta experiência. “Encontrámos um animal embalsamado com um cobertor cinzento” que os deixou a pensar se “aquilo era realmente impressionante para algumas pessoas que estavam ali”
O jovem acrescentou ainda que ao fim de alguns “segundos” já havia pessoas a observar e até a fotografar o par de óculos que foi, durante alguns minutos, uma obra de arte contemporânea.
Os jovens ainda tentaram repetir a 'proexa' com outros objetos, como um boné, mas a peça mais bem recebida foi mesmo este par de óculos.

domingo, 15 de maio de 2016

PORTINARI

A vida: Candido Portinari

Candido Portinari nasceu no dia 30 de dezembro de 1903, numa fazenda de café em Brodoswki, no Estado de São Paulo. Filho de imigrantes italianos, de origem humilde, recebeu apenas a instrução primária. Desde criança, manifesta vocação artística. Aos 15 anos, foi para o Rio de Janeiro em busca de um aprendizado mais sistemático em pintura, matriculando-se na Escola Nacional de Belas Artes.
A vida Candido Portinari
Candido Portinari
Em 1928, conquistou o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro da Exposição Geral de Belas-Artes, de tradição acadêmica. Foi para Paris (França), onde permaneceu durante todo o ano de 1930. Longe de sua pátria, saudoso de sua gente, Portinari voltou ao Brasil em 1931 e retratou em suas telas o povo brasileiro, superando aos poucos sua formação acadêmica e fundindo a ciência antiga da pintura a uma personalidade experimentalista a antiacadêmica moderna.
Em 1935, obteve seu primeiro reconhecimento no exterior, a segunda menção honrosa na exposição internacional do Carnegie Institute de Pittsburgh, Estados Unidos, com uma tela de grandes proporções, intitulada “Café”, retratando uma cena da colheita típica de sua região de origem.
A inclinação muralista de Portinari revelou-se com vigor nos painéis executados no Monumento Rodoviário da estrada Rio de Janeiro – São Paulo, em 1936, e nos afrescos do novo edifício do Ministério da Educação e Saúde, realizados entre 1936 e 1944. Estes trabalhos, como conjunto e concepção artística, representam um marco na evolução da arte de Portinari, afirmando a opção pela temática social, que foi o fio condutor de toda a sua obra a partir de então.
Companheiro de poetas, escritores, jornalistas, diplomatas, Portinari participou da elite intelectual brasileira em uma época em que se verificava uma notável mudança da atitude estética e na cultura do país.
Candido Portinari e seu filho João Candido
Candido Portinari e seu filho João Candido
No final da década de 30, a projeção de Portinari nos Estados Unidos foi consolidada. Em 1939, ele executa três grandes painéis para o pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York. Neste mesmo ano o Museu de Arte Moderna de Nova York adquire sua tela “O Morro”.
Em 1940, participou de uma mostra de arte latino-americana no Riverside Museum de Nova York e expôs individualmente no Instituto de Artes de Detroit e no Museu de Arte Moderna de Nova York, com grande sucesso de crítica, venda e público. Em dezembro do mesmo ano, a Universidade de Chicago publicou o primeiro livro sobre o pintor, “Portinari, His Life and Art”, com introdução do artista Rockwell Kent e inúmeras reproduções de suas obras.
Em 1941, Portinari executou quatro grandes murais na Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso em Washington, com temas referentes à história latino-americana. De volta ao Brasil, realizou, em 1943, oito painéis conhecidos como “Série Bíblica”, fortemente influenciado pela visão picassiana de “Guernica” e sob o impacto da 2ª Guerra Mundial.
Em 1944, a convite do arquiteto Oscar Niemeyer, iniciou as obras de decoração do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), destacando-se o mural “São Francisco” e a “Via Sacra”, na Igreja da Pampulha. A escalada do nazi-fascismo e os horrores da guerra reforçaram o caráter social e trágico de sua obra, levando-o à produção das séries “Retirantes” e “Meninos de Brodowski”, entre 1944 e 1946, e à militância política, filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro e candidatando-se a deputado, em 1945, e a senador, em 1947. Ainda em 1946, Portinari voltou a Paris para realizar sua primeira exposição em solo europeu, na Galerie Charpentier. A exposição teve grande repercussão, tendo sido Portinari agraciado, pelo governo francês, com a Légion d’Honneur.
Em 1947 expôs no salão Peuser, de Buenos Aires (Argentina) e nos salões da Comissão Nacional de Belas Artes, de Montevidéu (Uruguai), recebendo grandes homenagens por parte de artistas, intelectuais e autoridades dos dois países.
O final da década de 40 assinalou o início da exploração dos temas históricos por meio da afirmação do muralismo. Em 1948, Portinari exilou-se no Uruguai, por motivos políticos, onde pintou o painel “A Primeira Missa no Brasil”, encomendado pelo banco Boavista do Brasil.
Painel “Tiradentes”
Painel “Tiradentes”
Em 1949, executou o grande painel “Tiradentes”, narrando episódios do julgamento e execução do herói brasileiro que lutou contra o domínio colonial português. Por este trabalho, Portinari recebeu, em 1950, a medalha de ouro concedida pelo Júri do Prêmio Internacional da Paz, reunido em Varsóvia (Polônia).
Em 1952, atendendo a encomenda do Banco da Bahia, realizou outro painel com temática histórica, “A Chegada da Família Real Portuguesa à Bahia” e iniciou os estudos para os painéis “Guerra e Paz”, oferecidos pelo governo brasileiro à nova sede da Organização das Nações Unidas. Concluídos em 1956, os painéis, medindo cerca de 14m x10m cada – os maiores pintados por Portinari.
Em 1955, recebeu a medalha de ouro concedida pelo Internacional Fine-Arts Council de Nova York como o melhor pintor do ano. Em 1956, Portinari viajou a Israel, a convite do governo daquele país, expondo em vários museus e executando desenhos inspirados no recém-criado Estado Israelense e expostos posteriormente em Bolonha (Itália), Lima (Peru), Buenos Aires (Argentina) e Rio de Janeiro. No mesmo ano, Portinari recebeu o Prêmio Guggenheim do Brasil e, em 1957, a Menção Honrosa no Concurso Internacional de Aquarela do Hallmark Art Award, de Nova York. No final da década de 50, realizou diversas exposições internacionais.
Expôs em Paris e Munique (Alemanha) em 1957. Foi o único artista brasileiro a participar da exposição 50 Anos de Arte Moderna, no Palais des Beaux Arts, em Bruxelas (Bélgica), em 1958. Como convidado de honra, expôs 39 obras em sala especial na I Bienal de Artes Plásticas da Cidade do México, em 1958. Neste mesmo ano, expôs em Buenos Aires, e em 1959 na Galeria Wildenstein de Nova York e, juntamente com outros grandes artistas americanos como Tamayo, Cuevas, Matta, Orozco, Rivera. Participou da exposição Coleção de Arte Interamericana, do Museo de Bellas Artes de Caracas (Venezuela). Candido Portinari morreu no dia 6 de fevereiro de 1962, quando preparava uma grande exposição de cerca de 200 obras a convite da Prefeitura de Milão (Itália), vítima de intoxicação pelas tintas que utilizava.
Endereço: Praça Candido Portinari, nº 298 - Brodowski | SP Informações: (16) 3664-4284 ou museu@casadeportinari.com.br
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Régua
A Implosão da Mentira
ou
 
Fragmento 1

               Mentiram-me. Mentiram-me ontem
               e hoje mentem novamente. Mentem
               de corpo e alma, completamente.
               E mentem de maneira tão pungente
               que acho que mentem sinceramente.

               Mentem, sobretudo, impune/mente.
               Não mentem tristes. Alegremente
               mentem. Mentem tão nacional/mente
               que acham que mentindo história afora
               vão enganar a morte eterna/mente.

               Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
               falam. E desfilam de tal modo nuas
               que mesmo um cego pode ver
               a verdade em trapos pelas ruas.

               Sei que a verdade é difícil
               e para alguns é cara e escura.
               Mas não se chega à verdade
               pela mentira, nem à democracia
               pela ditadura.

Fragmento 2

               Evidente/mente a crer
               nos que me mentem
               uma flor nasceu em Hiroshima
               e em Auschwitz havia um circo
               permanente.

               Mentem. Mentem caricatural-
               mente.
               Mentem como a careca
               mente ao pente,
               mentem como a dentadura
               mente ao dente,
               mentem como a carroça
               à besta em frente,
               mentem como a doença
               ao doente,
               mentem clara/mente
               como o espelho transparente.
               Mentem deslavadamente,
               como nenhuma lavadeira mente
               ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
               com a cara limpa e nas mãos
               o sangue quente. Mentem
               ardente/mente como um doente
               em seus instantes de febre.Mentem
               fabulosa/mente como o caçador que quer passar
               gato por lebre. E nessa trilha de mentiras
               a caça é que caça o caçador
               com a armadilha.
               E assim cada qual
               mente industrial?mente,
               mente partidária?mente,
               mente incivil?mente,
               mente tropical?mente,
               mente incontinente?mente,
               mente hereditária?mente,
               mente, mente, mente.
               E de tanto mentir tão brava/mente
               constroem um país
               de mentira
                                       —diária/mente.

Fragmento 3

               Mentem no passado. E no presente
               passam a mentira a limpo. E no futuro
               mentem novamente.
               Mentem fazendo o sol girar
               em torno à terra medieval/mente.
               Por isto, desta vez, não é Galileu
               quem mente.
               mas o tribunal que o julga
               herege/mente.
               Mentem como se Colombo partindo
                do Ocidente para o Oriente
               pudesse descobrir de mentira
               um continente.

               Mentem desde Cabral, em calmaria,
               viajando pelo avesso, iludindo a corrente
               em curso, transformando a história do país
               num acidente de percurso.

Fragmento 4

               Tanta mentira assim industriada
               me faz partir para o deserto
               penitente/mente, ou me exilar
               com Mozart musical/mente em harpas
               e oboés, como um solista vegetal
               que absorve a vida indiferente.

               Penso nos animais que nunca mentem.
               mesmo se têm um caçador à sua frente.
               Penso nos pássaros
               cuja verdade do canto nos toca
               matinalmente.
               Penso nas flores
               cuja verdade das cores escorre no mel
               silvestremente.

               Penso no sol que morre diariamente
               jorrando luz, embora
               tenha a noite pela frente.

Fragmento 5

               Página branca onde escrevo. Único espaço
               de verdade que me resta. Onde transcrevo
               o arroubo, a esperança, e onde tarde
               ou cedo deposito meu espanto e medo.
               Para tanta mentira só mesmo um poema
               explosivo-conotativo
               onde o advérbio e o adjetivo não mentem
               ao substantivo
               e a rima rebenta a frase
               numa explosão da verdade.

               E a mentira repulsiva
               se não explode pra fora
               pra dentro explode
implosiva.
Affonso Romano Sant’Anna
Publicado no livro Política e paixão (1984)