domingo, 31 de janeiro de 2010

Art Brut

RENÉ CHAR


LAMENTO DO LAGARTO APAIXONADO


Não tires o grão do girassol,
Os teus ciprestes ficariam tristes,
Pintassilgo, retoma o teu vôo
E regressa ao teu ninho de lã.

Não és uma pedra do céu
Para que o vento te desobrigue,
Pássaro rual; o arco-íris
Reune-se no malmequer.

O homem fusila, esconde-te;
O girassol é seu cúmplice.
Só as ervas te defendem,
As ervas que no campo se enrugam.

A cobra não te reconhece,
o gafanhoto é resmungão;
Quanto à toupeira, é cega;
A borboleta não odeia ninguém.

É meio-dia, pintassilgo.
A tasneirinha a brilhar.
Demora, acabou-se o perigo:
O homem regressa à sua família!

O eco deste país é seguro.
Observo tudo, aqui do alto do muro,
Até vejo a coruja a titubear.

Quem, melhor do que um lagarto apaixonado,
Pode dizer os segredos terrestres?
Ó ligeiro e amável rei dos céus,
Por que não fazes ninho nesta minha pedra?
                                          
                                       Orgon, agosto 1947

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

SIQUEIROS

Vem a propósito da tragédia do povo explorado do Hati...

sábado, 23 de janeiro de 2010

MÁRIO CESARINY


PASTELARIA


Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio
Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come
Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Nobilíssima Visão (1945-1946), in burlescas, teóricas e sentimentais (1972

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Homem que outrora fui...




«Tel j'étais autrefois et tel je suis encore.»
André Clienier


O homem que outrora fui, o mesmo ainda o serei:
leviano, ardente. Em vão, amigos meus, eu sei,
de mim se espere que eu possa contemplar o belo
sem um tremor secreto, um ansioso anelo.
O amor não me traiu ou torturou bastante?
Nas citereias redes qual falcão aflante
não me debati já, tantas vezes cativo?
Relapso, porém, a tudo eu sobrevivo
e à nova estátua trago a mesma antiga oferenda...


Aleksandr Pushkin

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sábado, 16 de janeiro de 2010

Ruan Ramón Jimenez




Criar-me, recriar-me, esvaziar-me, até
que o que de mim um dia, morto, vá
para a terra, não seja eu; enganar honradamente,
plenamente, com vontade firme,
o crime, e deixar-lhe este espantalho negro
do meu corpo, como sendo eu!
E esconder-me,
a sorrir, imortal, nas margens puras
do rio eterno, árvore
- num poente imarcescível -
da imaginação mágica e divina!


Ruan Ramón Jimenez, 1923?
Nobel de Literatura (1956)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Fotografia de Marcelo Brodsky

por Marcelo Brodsky


Fecha: del 23 de junio al 3 de agosto de 2008.

Proyectos como Nexo, de Marcelo Brodsky – artista también activo en el movimiento de Derechos Humanos –, pertenecen a la emergencia en el arte post-minimalista y post-performance, lo que se puede definir, tentativamente, como memory art, un arte que hace memoria, práctica artística que se aproxima a la prolongada y compleja tradición del art of memory, de las técnicas para recordar, con su mixtura de texto e imagen, de retórica y escritura. Una suerte de arte mnemónico público que no se centra en la mera configuración espacial sino que inscribe fuertemente en la obra una dimensión de memoria localizable e incluso corporal.

Se trata de una práctica artística que vulnera los límites entre instalación, fotografía, monumento y memorial. Su lugar puede ser el museo, la galería o el espacio público. Su receptor es el espectador individual, pero él o ella es convocado no solamente en tanto individuo sino también como miembro de una comunidad que enfrenta el trabajo de la conmemoración.

Gran parte de la nueva obra de Brodsky gira en torno a la memoria de los desaparecidos, ya sea a través de la recreación de un depósito de la ESMA, titulada El Pañol y atestada de los sonidos y olores de ese atroz centro de tortura, o bien de la conmovedora serie de fotografías de los árboles plantados en el Bosque de la Memoria por iniciativa de la Universidad de Tucumán, dedicados, cada uno de ellos, a los desaparecidos de la región. Los in memoriam cuelgan suspendidos de las ramas: fragmentos de escritura envueltos en plástico, expuestos a la intemperie, amarillentos y arrugados, el texto apenas legible. Desde luego, estos árboles rememoran los árboles de Yad Vashem en Jerusalén, que encarnan la continuación de la vida, mientras que la escritura, casi borrada por los efectos de la lluvia y el sol, se desintegrará íntegramente algún día, indicando la transitoriedad de toda memoria humana.

Las obras evocativas de Brodsky están notablemente menos limitadas por convenciones genéricas que un monumento estatal o un memorial público. Los monumentos articulan la memoria oficial, y su destino es ser derribados o volverse invisibles. La memoria vivida, por su parte, se localiza siempre en cuerpos individuales, en su experiencia y su dolor, aún cuando comprometa también una memoria colectiva, política o generacional. Anticipando a Freud, Nietzsche reconoció este hecho evidente cuando dijo: “Sólo aquello que no deja de herir persiste en la memoria”. La fotografía mnemónica de Brodsky es memorable porque brota de una herida profunda y transmite imaginativamente esta experiencia a sus espectadores. (texto extraído do site Museo de la Memoria)


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fotografias de SEBASTIÃO SALGADO


Baudelaire

Homem livre, tu sempre amarás o mar!
O mar é teu espelho; tu contemplas a tua alma
No desenrolar infinito da sua onda,
E o teu espírito não é um turbilhão menos amargo.
...Sois, os dois, tenebrosos e discretos:
Homem, ninguém sondou o fundo dos teus abismos,
Ó mar, ninguém conhece as tuas riquezas íntimas,
De tal forma procurais guardar os vossos segredos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A espuma das palavras

As palavras que digo
                                As palavras que esqueço
A amizade não a meço
                                sem medida é o perpétuo recomeço.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Intensamente livre...

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Intensamente livre o homem dirige-se para a praia mais pequena que
ele
leva na mão um mapa-múndi azul é a custo que desce as dunas mais
pequenas que ele
e sem ninguém que ateste a visibilidade radiogoniométrica destes
seres
o homem perfura o poço mais pequeno que ele
abrindo o leão de costas que há no fundo do poço
o doce leão alado muito limpo que há no fundo do poço


Como ver este homem o seu dorso a sua cabeleira
correria nocturna ao longo de um túnel em transe
onde será verdade onde é rosa iris
que este homem sobrevive
sob o seu talhe mais pequeno que ele
sob o seu pedestal a sua obscura força militar
e o seu porte essa porta essa maçã
de vinagre
essa locomotiva feita armada pronta para surgir
arrastando uma época de calendários
cheia não só de estradas mas de signos de estradas
estrada-dedal estrada-violino corpo-estrada de rei RapAz de
Estrada
Há muito vou com ele por caminho livre
quem cessará primeiro? ele? o caminho?


Este homem que apenas nasceu- este homem
sem lágrimas
voltou-se! é prodigioso o espaço que arde na sua sombra
face árida lisa para o incêndio com as mãos.


Mário Cesariny
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