segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Com uma forte influência do seu filósofo preferido - Gilles Deleuze . o filósofo português reputado José Gil analisa com profundiade , ontologicamente, o fenómeno da IA. Na minha opinião, além destes fatres que ele enumera, falta à IA -faltará sempre suponho - o medo, a ansiedade, a angústia, da morte .



José Gil: com a IA “seremos mais simples e pequenos, pobres e felizes”

O filósofo José Gil faz um ponto de ordem na discussão sobre os perigos da inteligência artificial. E tenta responder a isto: “A IA poderá substituir ou superar a criatividade artística dos humanos?”

17:22

Para responder à pergunta “a IA poderá substituir ou mesmo superar a criatividade artística dos seres humanos?” temos, primeiro, de a enquadrar no debate actual sobre os poderes e os efeitos da tecnologia digital. O discurso actual sobre os efeitos sociais da inteligência artificial centra-se na revolução que vai provocar, nos perigos que ela traz e nos meios possíveis de os enfrentar.

Comecemos pelos perigos. Parecem ser, essencialmente, de três tipos: perigos socioeconómicos, perigos políticos e perigos existenciais. Os primeiros ameaçam provocar, a curto prazo, verdadeiros desastres na vida material das pessoas: um aumento exponencial acelerado do desemprego e das desigualdades. Kai-Fu Lee, o engenheiro que instalou a Google na China, calcula que, por volta de 2030, 40 a 50% dos empregos nos Estados Unidos poderão ser substituídos pela IA. Quanto às desigualdades, estamos já a assistir à concentração astronómica da riqueza mundial em empresas digitais, como a Google, a Amazon ou a Huawei. Também começam a sentir-se os perigos políticos: desinformação, montagem rápida de vídeos falsos, proliferação de propaganda deepfake, que, graças à tecnologia da IA, faz uma realidade virtual substituir rostos, corpos, mensagens verbais reais, podendo criar no telespectador a convicção imediata de que tal ou tal personagem (político ou simplesmente mediático), ou uma instituição ou Estado, cometeram delitos ou crimes, por exemplo. Vê-se a que extraordinária perversão da vida política esta prática pode levar.

Tão importantes como os que acabámos de evocar, são os perigos existenciais. O alastramento da influência das tecnologias digitais em todos os domínios da vida social e individual dará cada vez mais força à ideia de que as máquinas dominarão os homens. O homem terá deixado de reinar no centro do mundo. É a própria imagem que o homem tem de si mesmo que mudará radicalmente. O seu estilhaçamento abalará a identidade humana e os seus valores.

Se todas as tarefas actualmente executadas por seres humanos — tarefas económicas, médicas, jurídicas, educativas, políticas e mesmo artísticas — forem exponencialmente optimizadas pela simples aplicação de tecnologias inteligentes, desaparecerá o domínio do ser humano sobre o mundo. Será o fim do antropocentrismo e do humanismo. A superinteligência artificial tomará conta das decisões humanas em todos os planos; e, porque elas se tornarão mais eficientes e mais económicas, serão consideradas melhores, no sentido moral. As máquinas ditarão os nossos comportamentos éticos. E substituirão os artistas e os escritores.

A esta ameaça, os defensores do velho humanismo, laico ou religioso, contrapõem a crença inabalável na supremacia ontológica do homem sobre as máquinas e, consequentemente, sobre o mundo. Supremacia que pertenceria à essência do homem, enquanto ser dotado de razão. Ora, o humanismo define-se pelo lugar e pelo estatuto que atribui ao homem no centro do universo, enquanto sujeito dominador do objecto composto pelo resto dos entes.

Enquanto tal, o homem assegura a coerência e a harmonia do todo e, na ideologia do progresso que daí decorre, do seu próprio destino — isto, mesmo nas doutrinas religiosas em que o fundamento divino suporta a existência humana. Esta fé absoluta na superioridade do ser humano sobre todo o universo condiciona as políticas actuais quanto ao estatuto e à função a atribuir à tecnologia da IA na sociedade do futuro.

Os humanistas actuais que se elevam contra a supremacia das máquinas utilizam um argumento surpreendente. Ao invocar o facto de os robôs serem incapazes de emoções e sentimentos, de empatia, de amor e compaixão, elegem a afectividade em essência da humanidade do homem, contrariando a sua definição clássica como “ser racional”, exclusivo de toda a diversidade animal. Como se, de repente, os “instintos”, as “paixões”, tradicionalmente hostis à Razão definidora do ser humano, fossem reactivados para o distinguir das máquinas. Recorre-se à afectividade para a opor à, e desvalorizar a hiper-racionalidade pura, “sem alma”, dos dispositivos e operações da IA. Mas trata-se de uma afectividade que já não implica irracionalidade e perda de controlo do sujeito, é antes uma afectividade domada, sensata, ao serviço da razão. Estas confusões, ajustes e contradições na história do humanismo mostram bem a perturbação causada pela irrupção da tecnologia digital na imagem que o homem tinha e tem de si mesmo, tornando-se cada vez mais difícil atribuir-lhe uma identidade e um estatuto ontológico determinados. O corpo e a animalidade vêm hoje, ironicamente, ajudar a salvar a visão iluminista e humanista do homem no mundo.

Humano, demasiado humano

Em resumo, dois discursos opõem-se actualmente no debate sobre a IA, e ambos parecem não descrever adequadamente as transformações em curso: os cultores das máquinas pecam por eliminar totalmente o homem da vida social e individual; enquanto os humanistas não vêem o que está já a acontecer, a saber, a substituição, em inúmeros domínios, do pensamento e da acção humanas pela IA. Os dois discursos implicam uma metafísica. Esboçámos os princípios do humanismo; explicitemos os pressupostos metafísicos do trans-humanismo dos defensores da IA.

Admitir que a superinteligência das máquinas supera todas as capacidades cognitivas do ser humano e mesmo toda a sua inventividade e criação é supor, primeiro, que a actividade criativa depende inteiramente da cognição; em segundo lugar, que a tecnologia digital é capaz, em princípio, de substituir não só todas as tarefas dos humanos, mas, sobretudo, de construir uma realidade paralela mais perfeita do que a actual. Afirma-se que uma obra arquitectónica ou literária poderá ser reproduzida integralmente por operações da IA. E que o ChatGPT e o Bard, da Google, serão capazes de criar textos tão bons como os de um poeta. Admitiríamos, assim, que não há limites de princípio ao desenvolvimento deste tipo de criatividade, de tal modo que nada impede que uma máquina venha a produzir textos tão originais como os de um escritor em carne e osso. Haverá singularidades artísticas, objectos de arte únicos e tão ou mais geniais do que os dos grandes autores que conhecemos. Generalizando este poder de criação das máquinas superinteligentes, é toda a realidade do mundo, todos os produtos do engenho, da acção e do trabalho que serão replicados e superados. Um outro universo paralelo nascerá e substituirá o nosso, humano, demasiado humano.

Fotas máquinas inteligentes conseguissem, em teoria, substituir toda a obra humana, então qualquer invenção ou produção actual estaria já, desde sempre, virtualmente composta pela IA. Por exemplo, esta esgotaria as possibilidades de criação de um escritor, mesmo não ainda concretizadas; e, portanto, esgotaria a obra de todos os escritores, de toda a literatura e toda a arte. E identicamente para a realidade possível. Nada do que os humanos produziram no passado e no presente e produzirão no futuro escaparia aos poderes criativos da IA. A totalidade do mundo real e do mundo possível estaria virtualmente inscrita nos programas da superinteligência artificial. Para lá dos seus algoritmos, nenhum elemento desconhecido, em nenhum infinito, viria perturbar os contornos bem definidos do que teria sido já determinado. Encontrar-nos-íamos, então, perante uma situação paradoxal: se toda a realidade é dada como uma totalidade fechada e finita, haveria um tempo, também finito e limitado, em que se esgotaria a sua produção. Depois desse limite, só haveria repetição do mesmo, o eterno retorno do mesmo. O que implicaria o fim do novo e da formação de singularidades. O que, por seu turno, pressuporia que o poder das máquinas de criar obras únicas e singulares se traduziria, virtualmente também, pela incapacidade de as produzir infinitamente, quer dizer pela limitação desse poder e, por isso, pela sua anulação concreta na sua repetição.

Temos de admitir que as máquinas não sabem e não podem criar. Poderão reproduzir obras aparentemente originais, mas faltar-lhes-á sempre a fonte de onde nasce a singularidade. Essa fonte é a indeterminação infinita, quer dizer o caos, que dá vida à obra. Resta saber como é que o caos infinito imprime na obra a marca da unicidade. Sobre esta questão, que não analisarei aqui, direi apenas que a singularidade não deve ser confundida com a unicidade da pessoa ou do eu, como uma instância interior privada. Pelo contrário, a singularidade diz-se não só de um ser, mas de uma coisa, de um som, de uma cor, de uma atmosfera, de uma hora do dia ou de uma obra de arte. A singularidade desta última advém da capacidade de se ligar, combinar, agenciar com outras matérias e outras singularidades. A “assinatura” do autor traz a marca do poder incomparável de a obra se conectar com outras “coisas” e outras obras, produzir outras singularidades. Este poder provém da arte, por exemplo, do pintor de insuflar acaso ao nexo das linhas e das cores, de combinar acaso e nexo para dar vida — uma vida “inorgânica” — à obra. Sem esta vida, não há objecto de arte. E é pelo corpo que a vida vem ao artista e que ele a recria na obra — o que a máquina inteligente não pode fazer. Por exemplo, não é possível programar o que poderíamos chamar o desejo de criar, o impulso criativo que irrompe subitamente, fruto do acaso, no metabolismo do artista e que o faz começar a trabalhar.

Mas, aparentemente não é o que afirmam os cultores da IA. Se a máquina não é capaz de criar singularidades, não seria porque não possui afectividade ou emoções. A simulação maquinal de emoções, a partir de expressões do rosto, timbres da voz ou gestos, é hoje realizada facilmente pela IA. Ao que se pode contrapor que os robôs não possuem a experiência emocional de um humano. Mas que sabemos nós, na verdade, da experiência do outro? Que prova segura podemos ter de que o robô que manifesta dor não está a senti-la? Mais uma vez, desloquemos o problema: a criatividade do homem, no pensamento, na arte e na cultura, vem do seu poder de emitir singularidades, não da unicidade da pessoa humana ou das suas “faculdades”, sensibilidade, imaginação, entendimento ou razão, como se admitia classicamente na filosofia do conhecimento ou na estética. Não há, pois, que atribuir aos poderes da inteligência ou da “imaginação” das máquinas a capacidade de criar. Não se superará a originalidade humana com o superpoder da inteligência algorítmica.

O corpo em devir

Mas os humanos não se devem escudar por trás do argumento da sua “essência” espiritual superior para reivindicarem o domínio exclusivo sobre a matéria, o corpo e o mundo. Porque essa essência está mais que manchada, corroída e desfigurada. Não só os animais têm inteligência, mas as máquinas funcionam com a racionalidade dos humanos. Em múltiplas disciplinas a imagem do homem foi destronada, não se conhecendo, hoje, distintamente, o que separa a cultura da natureza, a humanidade da animalidade, a moral da biologia, o sujeito da suposta impessoalidade de um grande símio.

Comparando a inteligência artificial com a inteligência “natural” descobrem-se afinidades e diferenças. Das primeiras ressalta o facto de a IA resolver problemas com uma velocidade muitíssimo superior à do que o homem é capaz, tão rápida que escapa à consciência. De tal modo que se pode dizer que as operações da máquina inteligente formam o “inconsciente” humano. A crítica a uma tal concepção teria, primeiro, de provar que o inconsciente freudiano — ou, mais geralmente, o inconsciente das terapias “psi” (se uma tal generalização é pertinente) — seria subsumido pela categoria mais vasta de “inconsciente inteligente”. A cura de um trauma ou de um bloqueio psíquico seria redutível à resolução de um problema cognitivo. Em segundo lugar, teria de mostrar que o poder da “intuição inconsciente” do cérebro que, por exemplo, soluciona subterraneamente funções matemáticas, difere da computorização de algoritmos. Enquanto esta parte de múltiplos dados para chegar a um resultado geral, através de operações, sobretudo, de deep learning, o cérebro parece “intuir” imediatamente, desde o início, a solução geral. Para determinar o trajecto mais curto entre duas cidades, a máquina compara dados diferentes, a uma velocidade astronómica, indo de patamar em patamar — como para encontrar a melhor jogada de xadrez. O cérebro não faz o mesmo trabalho, a uma velocidade reduzida, mas parece alcançar de um golpe a solução.

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José Gil: "Esta fé absoluta na superioridade do ser humano sobre todo o universo condiciona as políticas actuais quanto ao estatuto e à função a atribuir à tecnologia da IA na sociedade do futuro" Getty Images

Estas diferenças entre as operações da IA e da inteligência natural não nos dão uma ideia clara do que as distingue: afinal, a primeira parece não fazer mais — e já é muitíssimo — do que elevar à potência na complexidade e a velocidade do que o cérebro humano pode realizar no plano cognitivo. Mais elucidativo seria evocar as diferenças que as separam noutros planos, na esfera do infraverbal, por exemplo. Um artista pensa, faz trabalhar uma inteligência própria a que se pode chamar sensível e imaginativa e não somente intelectual. Las Meninas, de Velásquez, ou o Quadrângulo Preto sobre Branco, de Malevitch, requereram muito trabalho inteligente, resolveram muitos problemas de natureza diferente. Uma Fuga de Bach ou a Odisseia, de Homero, são produtos sofisticadíssimos da inteligência natural. Analogamente, um pintor pensa com imagens e ritmos e um compositor com sons e intensidades.

Se bem que se construam já partituras “schubertianas”, se imaginem quadros “rafaelitas” ou peças shakespearianas fabricadas pela IA, não se vê como uma máquina pode criar, produzir uma obra nova e original que revolucione toda uma tradição e abra caminhos imprevistos à criação artística. Para tanto, seria preciso que a máquina tivesse um corpo. Ora, o corpo humano compõe-se de outros corpos, de corpos animais, de plantas, de luz e sombra selvagens, de partículas cósmicas. Um pintor devém cão quando transpõe o ladrar numa cor; Hokusai devinha pato para pintar um pato; Cézanne tornava-se espaço para pintar o flanco da montanha de Sainte-Victoire. O corpo de que falamos é um corpo em devir.

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Quadrângulo Preto sobre Branco (1918), de Kasimir Malevich

O poder da transformação inumana do homem

As relações do robô com o espaço dependem de sensores que dividem e localizam os objectos de modo preciso. Não recebem impressões “extra-sensoriais”, pequenas percepções e atmosferas. Nem o seu espaço do corpo (que não possui) se confunde com o espaço objectivo, como acontece no corpo humano (e se vê claramente manifestar-se no bailarino). O “corpo” do robô não segrega um espaço, como o corpo real segrega o seu espaço do corpo, todo indivisível que envolve, dilata e encolhe, prolonga o corpo próprio para além dos seus limites. O do robô não tem interior nem exterior, não tem plasticidade interna nem intuição do mundo. Não segrega um tempo próprio, uma duração. Não tem antepassados nem herdeiros. Não conhece o tempo, não morre, nem se reproduz como uma célula viva. O tempo dos computadores e de todo o tipo de aparelhos de IA tende para a instantaneidade, como se o objectivo último fosse a abolição da duração.

É toda esta simbiose com o espaço e o tempo que falta às máquinas, e faz do corpo humano o corpo-devir que suporta a criação. O devir-animal do corpo humano advém de ele herdar filogeneticamente toda a cadeia evolutiva da animalidade. Por isso, é o único ser capaz de um devir-animal tão abrangente, devir-verme, devir-borboleta ou devir-jaguar. Impossível de conceber um legado análogo no ADN de um robô.

Diremos, então: o que faz a característica própria da inteligência humana é a capacidade do corpo de se tornar outro, animal, planta ou mineral, poder único que escapa às máquinas e à definição racionalista do ser humano. Longe do antropocentrismo do humanismo tradicional, é o poder de transformação inumana do homem que melhor o caracteriza como humano e distingue a sua inteligência da IA. Mas saber que a IA não poderá jamais superar as capacidades criativas da mente humana não nos deve sossegar. As consequências futuras — que já hoje se desenham — da aplicação prática das máquinas inteligentes dependem do uso que se lhes der.

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Ora, esse uso vai numa direcção precisa: ditado fundamentalmente por imperativos económicos e pelo mercado, o desenvolvimento das novas tecnologias impõe tarefas que tendem a tornar-se únicas e exclusivas. O trabalho e o campo da experiência tendem, pois, a limitar-se ao que é concebido pelos algoritmos da IA. O leque da experiência sensível, das pulsões, das ideias, da volição e da imaginação reduzir-se-á e fechar-se-á sobre si, condicionando as necessidades e o desejo. A experiência empobrecerá, tornando-se finita.

A linguagem da IA — o léxico e as expressões próprias do funcionamento da IA, mas, sobretudo, as transformações a que a linguagem natural ficará sujeita, como se vê já com os likes e os emojis —, os chatbots, os programas de respostas ao cliente, os assistentes virtuais, as centrais de atendimento, as criações de conteúdos algoritmizados modificarão a experiência afectiva e cognitiva de todo o tipo de utentes — quer dizer, de todos nós. O mundo dos serviços, da economia e das interacções sociais transformar-se-á profundamente. Reduzir-se-á drasticamente a criação linguística e cultural. Toda essa linguagem vai provocar uma outra aprendizagem, outras maneiras — empobrecidas — de sentir e de se comportar. Formar-se-ão partituras emocionais inéditas, novos códigos de pensamento. Cada vez mais os seres humanos raciocinarão como máquinas, falarão e sentirão como elas.

O pior, nesta situação, é que ela será aceite sem que as subjectividades disso se apercebam. Numa palavra, a limitação e a previsibilidade a que a IA obrigará a experiência humana, e até a imprevisibilidade programada, o número restrito de sensações e pensamentos a que estará condenada, consagrarão, na prática, a vitória das máquinas sobre o poder inventivo dos seres humanos. Mais, as obras de arte algoritmizadas serão saudadas como exemplos singulares de criação e engenho das máquinas inteligentes. Os romances, as traduções, os objectos de arte, as composições musicais resplenderão de originalidade inigualável. Produtos de uma enorme complexidade — nós seremos mais simples e pequenos, pobres e felizes.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

 

Eduardo Berliner, Serrote, 2009.

Por FLÁVIO R. KOTHE*

Considerações sobre a natureza e a finalidade da arte

Nunca a arte se desenvolveu tanto quanto desde que Hegel previu a sua morte. Ele precisava dela para introduzir a necessidade da filosofia da arte como a coruja de Minerva que começa a voar no anoitecer dos acontecimentos. Em nome do que se poderia supor uma agonia da arte?

Talvez de uma visão idealizada da cultura helênica, em que se supunha que todo o povo participava dos eventos artísticos. Sabe-se hoje, no entanto, que as encenações teatrais excluíam escravos, mulheres, jovens, estrangeiros: atingiam talvez 5% da população. Nunca houve um apogeu da arte. Um desfile de carnaval no Rio arrasta mais gente do que a arte grega: quer ser vistoso e bonito, mas não tem densidade artística.

Heidegger endossou a tese de Hegel, sem comprovar. Os dois queriam sugar verdades que validassem o filosofar, como se a arte existisse em função de alguma corrente filosófica. Quando Kant definiu o belo como não tendo finalidade, deixou de considerar as utilizações do estético na sociedade. Era conveniente e conivente. Priorizou, em sua tabela de categorias, a finalidade (para dizer que não havia) e deixou de lado a origem, que ficou escondida na figura do gênio, como se ele vivesse sozinho e como se as relações de poder que propiciam ou não o surgimento e a circulação de determinada obra não tivessem relevância. Embora Kant tenha sido revolucionário ao se contrapor à utilização da arte para a propaganda religiosa, política ou moralista, não examinou como a arte funciona na realidade e como a concepção do que seja arte tem marcas ideológicas profundas.

Quando o idealismo alemão, com Solger e Hegel, propôs que a obra de arte deveria transmitir uma ideia, estava inventando uma finalidade para a arte: transpor ideias. O belo não tem “uma” finalidade porque tem várias. A arquitetura sempre é feita de acordo com um programa de necessidades, ou seja, ela é sempre finalística. Nesse sentido, ela ficaria fora das artes, mas nos sistemas das artes ela sempre constou. Como arte ela se distingue quando tem algo a mais, uma ideia, uma simbologia, que a faz ser mais que mero espaço construído para atender necessidades. Exatamente aí está, porém, um problema escondido.

As obras mais imponentes costumam ser templos, palácios, fortalezas e – nos tempos modernos – sedes de grandes empresas, ou seja, aparelhos do poder. Exatamente por serem ideológicas é que são apresentados como “ideias”, como “obras de arte”, como “verdades”. Por outro lado, não é preciso ser católico para admirar a catedral de Florença ou a Sagrada Família em Barcelona ou ser ortodoxo russo para admirar a bela igreja da Praça Vermelha. Pelo contrário, quando se é crente admira-se o objeto de culto, não a obra de arte. É preciso perder a fé para ganhar a arte, admirar a obra pelo que ela é e não pelo falso que ela pretende ser.

Traduz-se para o português um conceito kantiano do belo como “finalidade sem fim”, o que induz a pensar que haveria infinitas finalidades possíveis à arte, mas a expressão “Zweckmässigkeit ohne Zweck” significa antes “adequação a objetivo sem ter objetivo”. Ora, como algo é estruturado como se tivesse funções a cumprir para acabar não tendo nenhuma? A arquitetura atende a um programa de necessidades e só a partir disso ela pode se delinear como bela. O que atende necessidades perdura enquanto não houver um meio mais adequado e econômico para atendê-las. Falar de finalidades acaba dessacralizando a arte. Enquanto a arte tiver finalidades, não vai acabar.

Ela está apenas começando a se emancipar da servidão a castas de aristocratas e sacerdotes, burgueses e oligarquias mais ou menos bem assessorados no fomento às artes. Só quando não estiverem mais a serviço da aura que faça parecer transcendental o poder que é apenas local é que ela vai se libertar e conseguir descobrir o que ela pode ser. A obra de arte foi uma escrava útil durante milênios. Só com o capitalismo ela conseguiu ser uma trabalhadora assalariada, o que ainda não é sua plena emancipação.

O que marca a compreensão da arte na filosofia é a projeção de uma teologia do que seria o homem. Toda definição tem sido um fracasso, desde supor que ele teria uma dimensão angelical, a alma, até que ele seja racional ou bom por natureza. Supõe-se que ele teria corpo e alma, daí se vê a arte como sendo coisa e ideia, coisa e alétheia, significante e significado, suporte material e objeto estético. Daí vem a filosofia e quer resgatar a parte mais nobre para o seu próprio céu. A arte deixa de valer por si, passando a somente ter validade na medida em que transmitir uma ideia e for salva pela filosofia. Daí a arte passa a valer para alimentar a filosofia com ideias e ela poderia ser substituída pela Filosofia da Arte, que é o que Hegel propôs e Heidegger endossou. Ora, a arte não é feita com a finalidade de alimentar o vampiro da filosofia.

A visão catastrófica da arte, proposta por Hegel e desmentida pela história posterior, foi propiciada pela visão kantiana de que a arte seria estruturada como se tivesse uma finalidade sem ter. É muito estranho estruturar algo como se tivesse finalidades, para acabar abdicando delas. É um divertido paradoxo. Não tendo a arte qualquer finalidade, precisaria ser salva pelo cavaleiro da filosofia, ao preço, porém, da condenação à morte de sua diferença.

Hegel e Heidegger tinham uma visão apolínea e idealizada da Grécia antiga. A arte não era lá algo de pleno domínio público. Excluídas as mulheres, as crianças, os jovens, os escravos, os periecos e estrangeiros, mal sobravam menos de 5% da população para assistir aos espetáculos teatrais. O próprio teatro grego se prejudicou com as crendices religiosas que tinha de propagar. Quando Eurípides ousou alguns temas, como a manipulação religiosa pela casta sacerdotal, a igualdade do escravo ou a liberdade da mulher, foi obrigado a fugir de Atenas para não ser morto.

O que Kant queria dizer era talvez outra coisa, por outro motivo. Como iluminista, queria livrar a arte da servidão de incensar crendices, prelados e aristocratas, mas também não a submeter aos interesses do mercado. Queria a arte como exercício da liberdade. Para isso, o artista não poderia depender das ordens de um patrão, seja ele um órgão do governo, uma autoridade eclesial ou o gosto do comprador. Difícil fugir a tantos senhores.

A arte egípcia durante três milênios repetiu sempre os mesmos padrões (desenho de perfil, olhos delineados, o tamanho da figura conforme sua relevância política ou religiosa), que permitem identificá-la, ou seja, o artista era obrigado a cumprir normas estéticas estabelecidas pelo poder eclesial. Ele não tinha liberdade, não podia inventar. Ele nem queria, pois achava certo obedecer às regras vigentes. Por exemplo, o faraó tinha de ser a figura maior (por pior que fosse sua tirania) e sempre de perfil (a exceção foi sob o faraó que aderiu ao monoteísmo, que chegou a ser apresentado em cenas familiares). Durante mais de dois mil anos seguiram-se regras assim.

Iluminista, Kant podia querer livrar o artista da servidão de exaltar a mitologia ou o mercado; como luterano, não tinha objeções a Bach nos cultos como também não à exaltação do seu déspota dileto, Frederico, dito O Grande. Era a favor do governo forte, mas constitucional; não acreditava na democracia, que seria sempre a tirania de uma parte contra o resto (como se monarquia, aristocracia ou teocracia não fizessem isso também). Nos rótulos correntes, Descartes e Kant são estampados como iluministas, embora um fosse católico e o outro luterano.

O mercado de arte, que parece ser um juiz neutro para determinar o valor das obras, mensurando-o não pelo trabalho social médio investido na produção (já que o dom artístico não está na média) e sim pelo que se está disposto a pagar por elas, flutua muito de leilão para leilão, de época para época. O que hoje é moda, pode ser menosprezado amanhã. Ele flutua também dentro de si mesmo, na mesma época e no mesmo país. Podem-se adquirir obras equivalentes por preços muito diferentes. A mesma obra que um dia foi comprada por 5 X talvez seja revendida depois de uns anos por apenas 1 X ou 50 X.

A obra continua, porém, como que idêntica a si mesma: mudando, porém, o suporte material ou/e o perfil do receptor, altera-se o objeto estético que se constitui. A obra se torna outra, muda até de categoria: pode passar de religiosa a artística ou vice-versa, de respeitável a problemática. O mercado é manipulado pela propaganda, por flutuações de gosto, por vetores não estéticos. O valor artístico deveria, no entanto, independer disso. Há uma estrutura “metafísica” subjacente, que determina uma aparência de continuidade.

A arte sacra católica perdurou por séculos, foi posta em locais de preservação e permaneceu como que intocada pelo mercado. Quando este, no entanto, se impôs, a dessacralização das obras retirou-lhes muito do preço e do apreço. Enquanto oligarquias conseguiram ser aceitas porque se acreditava que seus privilégios decorriam de origem ou vontade divina, a arte que as auratizava conseguiu ser aceita, posta em museus, precificada em galerias. Quando outras classes puderam comprar obras, mudou-se o gosto, houve uma enxurrada de -ismos.

Os pobres, que mal ganham, se ganham, o suficiente para comer, precisam atender às necessidades primárias, não podem aplicar recursos em arte. Consideram até virtude não ter arte e não buscam a arte que poderiam obter de modo gratuito. Não há garantia de que a convivência com arte torne logo as pessoas melhores.

*Flávio R. Kothe é professor titular de estética na Universidade de Brasília. Autor, entre outros livros, de Ensaios de semiótica da cultura (UnB).

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Pós-modernismo na Poesia

 

PÓS-MODERNISMO – POESIA

 

Na segunda metade do século XX, outras concepções poéticas são formuladas.  É um momento de profundo individualismo, como afirmou João Cabral de Melo Neto, o nome mais importante de um novo grupo de poetas.

 

A GERAÇÃO DE 45

A expressão geração de 45 é usada para designar um grupo de poetas que rejeitaram os “excessos” modernistas – o poema-piada, o desleixo formal, as brincadeiras poéticas – e resolveram fazer uma poesia com maior rigor formal, revalorizando o cuidado com a linguagem e propondo uma expressão poética mais disciplinada.

 

Dentre os poetas desse grupo, muitos dos quais seguiriam depois linhas diferentes, podemos citar Bueno de Rivera, Domingos Carvalho da Silva, José Paulo Moreira da Fonseca, Ledo Ivo, Geir Campos, Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto.

 

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) logo se distinguiu do espírito formalista  da geração 45 pela elaboração de uma linguagem seca e objetiva, passando a trilhar um caminho bem pessoal.

 

A preocupação com o “fazer poético”, encarado como fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta, é uma constante em sua obra, que também trata, sem derramamentos sentimentais, dos problemas sociais do Nordeste, principalmente no longo poema “Morte e vida Severina”.

 

Em 1984, enveredou pela poesia de fundo histórico com o poema “Auto do frade”, em que trata do destino trágico de frei Caneca, condenado à morte em 1825 por sua participação na Confederação do Equador.

 

Sua obra poética compõe-se de:  Pedra do sono, O engenheiro, Psicologia da composição, O cão sem plumas, O rio, Morte e vida Severina, Uma faca só lâmina, A educação pela pedra, Museu de tudo, A escola das facas, Auto do frade, Agrestes, Crime na Calle relator.  Em prosa escreveu: Considerações sobre o poeta dormindo e Juan Miró.

 

CONCRETISMO

Dos movimentos poéticos surgidos no Pós-Modernismo, um deles provocou intensa polêmica – o Concretismo, que teve em Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari seus principais representantes.

 

Decretando o fim do verso e abolindo a sintaxe tradicional, os concretistas procuraram elaborar novas formas de comunicação poética, mais ligadas ao visual e á sonoridade das palavras.  Esse trabalho criativo de linguagem chocou os leitores acostumados à linguagem tradicional da poesia, provocando muitas polêmicas.

 

Eis um exemplo da poesia concreta:

 

 

 

A POESIA SOCIAL

Mas nem tudo foi experimentação nesse período.  Houve também poetas que se preocuparam em criar uma forma de expressão mais comunicativa, retomando a linguagem discursiva, num estilo simples e direto, para tratar do cotidiano do homem brasileiro e das injustiças sociais.

 

Dentre os autores que se definiram por essa linha, destaquemos Geir Campos, Tiago de Melo e, sobretudo, Ferreira Gullar.

 

Esse poeta maranhense iniciou sua atividade poética como concretista, mas depois rompeu com o grupo e aderiu à poesia social.

                                              

Fonte:  História da Literatura

              Editora Moderna

              Autores:  Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano

Elementos para compreender o pós-modernismo

 


Arte pós-moderna

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A arte pós-moderna ou pós-modernista é um conjunto de movimentos artísticos que buscam contradizer alguns aspectos do modernismo ou alguns aspectos que surgiram ou se desenvolveram em suas consequências. Em geral, movimentos como intermídia, arte de instalação, arte conceitual e multimídia, principalmente envolvendo o vídeo, são descritos como pós-modernos.

Existem várias características que tornam a arte pós-moderna; estes incluem bricolagem, o uso do texto com destaque como o elemento artístico central, colagem, arte abstrata, apropriação, arte performática, a reciclagem de estilos e temas passados em um contexto moderno, bem como a quebra da barreira entre o belo e alta cultural e baixa arte e cultura popular.[1][2]

Uso do termo

O termo predominante para a arte produzida desde os anos 1950 é "arte contemporânea". Nem toda arte rotulada como arte contemporânea é pós-moderna, e o termo mais amplo abrange tanto artistas que continuam a trabalhar nas tradições modernistas e modernistas tardias, quanto artistas que rejeitam o pós-modernismo por outras razões. Arthur Danto argumenta que "contemporâneo" é o termo mais amplo, e os objetos pós-modernos representam um "subsetor" do movimento contemporâneo.[3] Alguns artistas pós-modernos fizeram rupturas mais distintas com as ideias da arte moderna e não há consenso sobre o que é "moderno tardio" e o que é "pós-moderno". Ideias rejeitadas pela estética moderna foram restabelecidas. Na pintura, o pós-modernismo reintroduziu a representação.[4] Alguns críticos argumentam que muito da arte "pós-moderna" atual, o vanguardismo mais recente, ainda deve ser classificado como arte moderna.[5]

Além de descrever certas tendências da arte contemporânea, o pós-moderno também foi usado para denotar uma fase da arte moderna. Defensores do modernismo, como Clement Greenberg,[6] assim como oponentes radicais do modernismo, como Félix Guattari, que o chama de "último suspiro do modernismo",[7] adotaram essa posição. O neoconservador Hilton Kramer descreve o pós-modernismo como "uma criação do modernismo no fim de suas amarras".[8] Jean-François Lyotard, na análise de Fredric Jameson, não afirma que existe um estágio pós-moderno radicalmente diferente do período do alto modernismo; em vez disso, o descontentamento pós-moderno com este ou aquele estilo altamente modernista é parte da experimentação do alto modernismo, dando origem a novos modernismos.[9] No contexto da estética e da arte, Jean-François Lyotard é um importante filósofo do pós-modernismo.

Muitos críticos afirmam que a arte pós-moderna emerge da arte moderna. As datas sugeridas para a mudança do moderno para o pós-moderno incluem 1914 na Europa[10] e 1962[11] ou 1968[12] na América. James Elkins, comentando as discussões sobre a data exata da transição do modernismo para o pós-modernismo, compara-a à discussão na década de 1960 sobre a extensão exata do maneirismo e se ele deve começar diretamente após o Alto Renascimento ou mais tarde no século. Ele afirma que esses debates acontecem o tempo todo no que diz respeito aos movimentos e períodos artísticos, o que não quer dizer que não sejam importantes.[13] O fim do período da arte pós-moderna data do final da década de 1980, quando a palavra pós-modernismo perdeu muito de sua ressonância crítica e as práticas artísticas começaram a abordar o impacto da globalização e das novas mídias.[14]

Jean Baudrillard teve uma influência significativa na arte de inspiração pós-moderna e enfatizou as possibilidades de novas formas de criatividade.[15] O artista Peter Halley descreve suas cores day-glo como "hiperrealização da cor real" e reconhece Baudrillard como uma influência.[16] O próprio Baudrillard, desde 1984, era bastante consistente em sua visão, a arte contemporânea, e a arte pós-moderna em particular, era inferior à arte modernista do período pós-Segunda Guerra Mundial,[16] enquanto Jean-François Lyotard elogiava a pintura contemporânea e comentava sobre sua evolução da arte moderna.[17] As principais artistas feministas do século XX estão associadas à arte pós-moderna, uma vez que grande parte da articulação teórica de seu trabalho emergiu da psicanálise francesa e da teoria feminista que está fortemente relacionada à filosofia pós-moderna.[18][19]

O filósofo marxista americano Fredric Jameson argumenta que a condição de vida e produção será refletida em todas as atividades, incluindo a produção de arte.

Como acontece com todos os usos do termo pós-moderno, há críticos de sua aplicação. Kirk Varnedoe, por exemplo, afirmou que não existe pós-modernismo e que as possibilidades do modernismo ainda não se esgotaram.[20] Embora o uso do termo como uma espécie de abreviação para designar o trabalho de certas "escolas" do pós-guerra que empregam material relativamente específico e técnicas genéricas tenha se tornado convencional desde meados da década de 1980, os fundamentos teóricos do pós-modernismo como uma divisão epocal ou epistêmica ainda são muito controversos.[21]

Definições

O pós-modernismo descreve movimentos que tanto surgem quanto reagem ou rejeitam as tendências do modernismo.[22] As citações gerais para tendências específicas do modernismo são pureza formal, especificidade do meio, arte pela arte, autenticidade, universalidade, originalidade e tendência revolucionária ou reacionária, ou seja, a vanguarda. No entanto, o paradoxo é provavelmente a ideia modernista mais importante contra a qual o pós-modernismo reage. O paradoxo foi fundamental para o empreendimento modernista introduzido por Manet. As várias violações de Manet à arte representacional trouxeram à tona a suposta exclusividade mútua de realidade e representação, design e representação, abstração e realidade, e assim por diante. A incorporação do paradoxo foi altamente estimulante de Manet aos conceitualistas.

O status da vanguarda é controverso: muitas instituições argumentam que ser visionário, voltado para o futuro, inovador e progressista é crucial para a missão da arte no presente e, portanto, a arte pós-moderna contradiz o valor da "arte de nossos tempos". O pós-modernismo rejeita a noção de avanço ou progresso na arte per se e, portanto, visa derrubar o "mito da vanguarda". Rosalind Krauss foi uma das importantes enunciadoras da visão de que o vanguardismo acabou e que a nova era artística é pós-liberal e pós-progresso.[23] Griselda Pollock estudou e confrontou a vanguarda e a arte moderna em uma série de livros inovadores, revisando a arte moderna ao mesmo tempo que redefinia a arte pós-moderna.[24][25][26]

Uma característica da arte pós-moderna é sua fusão de alta e baixa cultura por meio do uso de materiais industriais e imagens da cultura pop. O uso de formas baixas de arte também fez parte da experimentação modernista, como documentado na mostra de 1990-1991 High and Low: Popular Culture and Modern Art de Kirk Varnedoe e Adam Gopnik, no Museu de Arte Moderna de Nova York,[27] uma exposição que foi universalmente criticada na época como o único evento que poderia reunir Douglas Crimp e Hilton Kramer em um coro de desprezo.[28] A arte pós-moderna é conhecida pela maneira como obscurece as distinções entre o que é percebido como arte fina ou alta e o que é geralmente visto como arte baixa ou kitsch.[29] Embora esse conceito de "confundir" ou "fundir" a arte erudita com a arte inferior tenha sido experimentado durante o modernismo, ele só foi totalmente endossado após o advento da era pós-moderna.[29] O pós-modernismo introduziu elementos de comercialismo, kitsch e uma estética camp geral dentro de seu contexto artístico; o pós-modernismo pega estilos de períodos passados, como o gótico, o renascimento e o barroco,[29] e os mistura de modo a ignorar seu uso original em seus movimentos artísticos correspondentes. Esses elementos são características comuns do que define a arte pós-moderna.

Fredric Jameson sugere que as obras pós-modernas renunciam a qualquer pretensão de espontaneidade e franqueza de expressão, fazendo uso do pastiche e da descontinuidade. Contra essa definição, Charles Harrison e Paul Wood, da Art and Language, sustentaram que o pastiche e a descontinuidade são endêmicos à arte modernista e são implantados de maneira eficaz por artistas modernos como Manet e Picasso.[30]

Uma definição compacta é que o pós-modernismo rejeita as grandes narrativas da direção artística do modernismo, erradicando as fronteiras entre as formas superiores e inferiores da arte e rompendo as convenções do gênero com colisão, colagem e fragmentação. A arte pós-moderna sustenta que todas as posturas são instáveis e insinceras e, portanto, ironia, paródia e humor são as únicas posições que a crítica ou a revisão não podem derrubar. "Pluralismo e diversidade" são outras características definidoras.[31]

Movimentos pós-modernos na arte

Arte conceitual

Lawrence Weiner, Bits & Pieces Put Together to Present a Semblance of a Whole, The Walker Art Center, Minneapolis, 2005

A arte conceitual é às vezes rotulada de pós-moderna porque está expressamente envolvida na desconstrução do que torna uma obra de arte, "arte". A arte conceitual, por ser freqüentemente projetada para confrontar, ofender ou atacar noções sustentadas por muitas das pessoas que a vêem, é considerada com particular controvérsia.

Os precursores da arte conceitual incluem o trabalho de Duchamp, 4'33" de John Cage, no qual a música é considerada "os sons do ambiente que os ouvintes ouvem enquanto é executada", e o Erased De Kooning Drawing de Rauschenberg. Muitas obras conceituais assumem a posição de que a arte é criada pelo observador que vê um objeto ou age como arte, não a partir das qualidades intrínsecas da própria obra. Assim, porque a Fonte foi exibida, era uma escultura.

Arte de instalação

Uma importante série de movimentos na arte que têm sido consistentemente descritos como pós-modernos envolveu a instalação de arte e a criação de artefatos de natureza conceitual. Um exemplo são os signos de Jenny Holzer que usam os artifícios da arte para transmitir mensagens específicas, como "Proteja-me do que eu quero". A arte de instalação tem sido importante na determinação dos espaços selecionados para museus de arte contemporânea, de forma a poder abrigar as grandes obras que são compostas por vastas colagens de objetos manufaturados e encontrados. Essas instalações e colagens costumam ser eletrificadas, com peças móveis e luzes.

São frequentemente projetadas para criar efeitos no ambiente, como a Iron Curtain, Wall of 240 Oil Barrels, Blocking Rue Visconti, Paris, June 1962 de Christo e Jeanne-Claude, que foi uma resposta poética ao Muro de Berlim construído em 1961.

Arte lowbrow

Lowbrow é um movimento de arte populista muito difundido com origens no mundo underground da comix, música punk, cultura de rua de hot rod e outras subculturas da Califórnia. Também é frequentemente conhecido pelo nome de surrealismo pop. A arte lowbrow destaca um tema central no pós-modernismo em que a distinção entre arte "alta" e "baixa" não é mais reconhecida.

Arte digital

Joseph Nechvatal: birth Of the viractual (2001), acrílico sobre tela assistido por computador-robô

Arte digital é um termo geral para uma gama de trabalhos e práticas artísticas que usam a tecnologia digital como parte essencial do processo criativo e / ou de apresentação. O impacto da tecnologia digital transformou atividades como pintura, desenho, escultura e música/arte sonora, enquanto novas formas, como net art, arte de instalação digital e realidade virtual, tornaram-se práticas artísticas reconhecidas.

Os principais teóricos e historiadores da arte neste campo incluem Christiane Paul, Frank Popper, Christine Buci-Glucksmann, Dominique Moulon, Robert C. Morgan, Roy Ascott, Catherine Perret, Margot Lovejoy, Edmond Couchot, Fred Forest e Edward A. Shanken.

terça-feira, 7 de novembro de 2023

 

Poema da terra

1

Em março, no ano da Intifada, a terra nos disse seus segredos de sangue. Em março,

cinco meninas passaram diante da violeta e do fuzil. Pararam à porta de uma escola

primária e queimaram junto à rosa e o tomilho. Começaram o canto da terra e se

entregaram ao abraço final. Março chega à terra vindo de dentro da terra e da dança das

meninas - a violeta se curvou um pouco para a voz das meninas passar. Os pássaros

esticaram os bicos em direção do canto e do meu coração.

Eu sou a terra

e a terra é você

Ḫadīja! Não feche a porta

não entre na ausência

vamos expulsá-los do vaso de flores e do varal

vamos expulsá-los das pedras deste caminho longo

vamos expulsá-los do ar da Galileia.

Em março, cinco meninas passaram diante da violeta, do fuzil. Caíram à porta de uma

escola primária. Nos dedos o giz na cor dos pássaros. Em março a terra nos disse seus

segredos.

2

A terra chamo de extensão da minha alma

as mãos chamo de borda das feridas

e chamo de asas o seixo

e chamo de amêndoa e de figo os pássaros

e chamo de árvore as costelas

e da figueira em meu peito destaco um ramo,

lanço como uma pedra

e destruo o tanque dos invasores.

3

Em março, trinta anos e cinco guerras antes,

nasci em cima de um monte de ervas reluzentes sobre as tumbas.

Meu pai era prisioneiro dos ingleses enquanto minha mãe cuidava de suas tranças e do

meu crescimento na relva. Eu adorava as feridas de amor, flor que eu juntava nos

bolsos, e elas murchavam ao meio-dia. Um tiro atravessou minha lua, e ela não quebrou,

mas o tempo passou por ela e, sem querer, caiu.

Em março nos estendemos na terra.

Em março a terra se espalha em nós

encontros obscuros,

simples comemorações,

descobrimos o mar debaixo das janelas

e a lua triste no alto do cipreste.

Em março entramos na primeira prisão e no primeiro amor

as memórias precipitam sobre uma vila sitiada,

nascemos lá e nunca ultrapassamos as sombras do marmeleiro.

Como fogem dos meus caminhos, sombras do marmeleiro?

Em março entramos no primeiro amor

e na primeira prisão

e as memórias iluminam um crepúsculo em língua árabe:

O amor me diz um dia: Entrei sozinho em seu sonho, me perdi e o sonho se perdeu em mim. Eu disse: Multiplique-se! Talvez o rio corra até você.

Em março a terra descobre seus rios.

O termo jurḥ alḥabīb é o nome de um tipo de flor semelhante ao lírio do campo, ou lírio do vale.

4

Meu país, distante de mim como meu coração!

Meu país, perto de mim como minha prisão!

Por que cantar

um lugar, se meu rosto é um lugar?

Por que cantar

a uma criança que dorme num montinho de açafrão

se nas bordas do sonho há uma adaga

se minha mãe me dá o seu peito

e morre na minha frente

numa bufada de âmbar?

5

Em março despertam os cavalos

senhora terra!

Que canção percorrerá o seu ventre ondulante depois de mim?

Que canção combina esse orvalho com o incenso

como se os templos agora se questionassem sobre os profetas da Palestina em seu

contínuo início.

Verdeja a distância e avermelham as pedras -

Esta é minha canção

e como o Messias evade a ferida e o vento

verde, como as plantas, ele recobre seus pregos e minhas correntes.

Esta é minha canção.

É como o jovem árabe ascende ao sonho e a Jerusalém.

Em março despertam os cavalos.

Senhora terra!

Os cavalos fazem da espiral de picos um tapete de rezas

oram as lanças e meu sangue

fazem um arco da semiesfera

e meu rosto e o teu rosto são Haifa e as bodas.

Em março o mar se recolhe da nossa terra estendida como

um cavalo para o sexo.

Em março o sexo se ergue nas árvores da costa árabe.

As ondas devem confinar as ondas... devem ondular... devem

se casar... ou afundar no algodão.

Eu lhe imploro, senhora terra, que me permita habitar o seu relincho.

Eu imploro que me enterre com as pequenas meninas entre a violeta e o fuzil.

Eu lhe imploro, senhora terra, que fertilize minha vida dividida entre duas questões:

como? e onde?

Esta é minha primavera primeira.

Esta é minha primavera final.

Em março a terra casou suas árvores.

6

É como se eu voltasse para o que passou

e andasse sempre um passo à frente,

e entre o azulejo e a satisfação

recupero a harmonia.

Sou o menino das palavras simples

sou mártir do mapa

sou a flor nos galhos do damasqueiro.

Pois então, opressores ao limite do impossível

desde o Sul até a Galileia,

devolvam-me as minhas mãos

devolvam-me a identidade!

7

Em março as sombras chegam sedosas e os invasores chegam sem sombras

os pássaros vêm obscuros como a confissão das meninas

às claras como os campos

os pássaros são as sombras dos campos cobrindo o coração e as palavras.

Ḫadīja!

Onde estão suas netas que foram atrás do novo amor?

Foram colher procurando pedras -

disse Ḫadīja, enquanto chama por elas debaixo do orvalho.

Em março a terra anda como um sangue fresco ao meio-dia. Cinco meninas escondem

um campo de trigo debaixo da trança. Elas leem os primeiros versos de uma canção

sobre o vinhedo de Hebron, escrevem cinco cartas:

Viva meu país

do Sul à Galileia

elas sonham com Jerusalém depois das provas da primavera e da expulsão dos

invasores.

Ḫadīja! Não feche a porta

e não vá nas nuvens

hoje vai chover

vai chover balas

hoje vai chover!

Em março, no ano da Intifada, a terra nos disse seus segredos de sangue. Cinco meninas

paradas na porta da escola primária se depararam com os soldados. Brilha um verso

verde... verde. Cinco meninas paradas na porta da escola primária se quebram como

espelhos

as meninas espelham o país no coração...

Em março a terra queimou suas flores.

8

Sou testemunha da chacina

mártir do mapa

sou o menino das palavras simples

vi o seixo são asas

vi o orvalho são armas

quando fecharam a porta do meu coração em mim e instalaram fronteiras em mim

e fundaram a proibição de ir e vir

meu coração se tornou uma rua

e minhas costelas viraram pedras

brotou o cravo

brotou o cravo.

9

Em março as plantas têm perfume. É quando os elementos se casam. “Março é o mais

duro dos meses” e o mais libidinoso. Que espada atravessa meus soluços e meus

suspiros e não se quebra? Esse é o meu abraço agrícola no apogeu do amor. É como eu

saio para a vida.

Enrolem-se, plantas, e juntem-se à intifada do meu corpo e à volta do sonho ao meu

corpo.

A terra explodirá enquanto confirmo esse grito contido à irrigação e à timidez campesina.

Em março chegamos à obsessão das memórias, e as plantas crescem em nós brotando

em todas as direções. É como crescem as lembranças. Chamo de lembrança minha

subida no cinamomo. Vi uma menina à beira do mar há 30 anos e disse: Eu sou a onda,

e ela se afastou na lembrança. Vi dois mártires escutando o mar: Acre vem com a onda.

Acre vai com a onda. Os dois se afastam na lembrança.

Ḫadīja inclinou-se em direção ao orvalho, e eu me queimei. Ḫadīja! Não feche a porta!

Que os povos entrarão neste livro e o sol de Jericó se esconde sem cerimônias.

Nação de profetas... seja inteira!

Nação de semeadores... seja inteira!

Nação de mártires... seja inteira!

Nação de refugiados... seja inteira!

Cada caminho das montanhas é uma extensão desse canto.

Todas as canções em você são extensões de uma oliveira que me envolve.

3 Espécie de árvore também conhecida como Amargoseira.

10

Uma noite pequena numa vila abandonada

e seus olhos dormem

volto trinta anos

e cinco guerras

vejo que o tempo

guardou para mim uma espiga

canta o cantor

a respeito de fogo e de ausentes

a noite era noite

e o cantor cantava.

Perguntaram a ele:

Por que você canta?

Ele respondeu:

porque eu canto.

Procuraram em seu peito

mas só encontraram o coração

e procuraram no seu coração

mas só encontraram o povo

e procuraram na sua voz

mas só encontraram a tristeza

e procuraram na sua tristeza

mas só encontraram a prisão

e procuraram na sua prisão

mas só encontraram as correntes.

Atrás das colinas

dorme sozinho o cantor

e em março

brotam nele as sombras.

11

Eu sou a esperança, a costa, a vastidão - disseram-me a terra e a relva, como se me

saudassem na aurora.

Esse é o preço de viver por Ḫadīja. Não fui plantado para ser colhido.

O ar da Galileia quer falar de mim, mas adormece quando está em Ḫadīja.

As gazelas da Galileia querem hoje destruir o meu cárcere, mas velam a sombra de

Ḫadīja, enquanto ela se inclina sobre o seu fogo.

Ḫadīja! Eu vi... confirmo o que vi, ela me tomou em toda a sua extensão, em todo o seu

ar.

Sou o eterno apaixonado, o prisioneiro por natureza.

A laranja tomou o meu verde e se fez a ideia de Jafa.

Eu sou a terra desde que conheci Ḫadīja.

Não fui conhecido para ser morto.

A planta da Galileia tem o poder de florir entre os dedos da minha mão e de desenhar

esse lugar disperso entre meu esforço e o amor de Ḫadīja.

É o preço de se viver de novo o mês de março

até que o ar abandone a terra.

Esta terra é minha terra

esta nuvem é minha nuvem

e esta é a fronte de Ḫadīja.

Sou o eterno apaixonado – o prisioneiro por natureza

o cheiro da terra me acorda no início da manhã...

e a minha corrente de ferro o acorda no início da noite.

Este é o preço de se viver de novo.

Os que buscam a vida não perguntam pela vida

perguntam pela terra: já se levantou

minha criança, a terra?

Você foi conhecida para ser degolada?

Prenderam você nos nossos sonhos, e com isso você desceu até as nossas feridas no

inverno?

Você foi conhecida para ser degolada?

Prenderam você nos sonhos deles, e com isso você subiu até os nossos sonhos na

primavera?

Eu sou a terra...

Vocês que buscam a semente de trigo em seu berço

arem meu corpo!

Vocês que vão à montanha de fogo

passem sobre o meu corpo!

Vocês que vão à Rocha de Jerusalém

passem sobre o meu corpo!

Vocês que passam sobre o meu corpo

Não passarão!

Eu sou a terra em um corpo

Não passarão!

Eu sou a terra que desperta

Não passarão!

Eu sou a terra. Vocês que passam sobre a terra que desperta

Não passarão!

Não passarão!

Não passarão

 

MAHMUD DARWICH


-1-

في شهرآذارَ، في سَنَة االنتفاضة، قالت ْ لنا األرض ُ أسرارَها الدمويَّةَ. في شهر آذار َ مَرّت ْ أمام البنفسج والبندقيّة خمس بناتٍ.

وقَفْن َ على باب مدرسة ابتدائية، واشتعلن مع الورد والزعتر ِ البلديّ. افتتحن َ نشيد التراب. دخلن العناق َ النهائي–آذار ُ يأتي إلى

األرض منباطن األرض يأتي، ومن رقصة الفتيات–البنفسج ُ مال قليال ً ليعبر صوت ُ البنات. العصافير ُ مَدّت ْ مناقيرها في اتّجاه

النشيد وقلبي.ُ

أنا األرضِ

واألرض ُ أنت

خديجة ُ ! ال تغلقي الباب

ال تدخلي في الغياب

سنطردهم من إناء الزهور وحبل الغسيل

سنطردهم عن حجارة هذا الطريق الطويل

سنطردهم من هواء الجليل.

وفي شهر آذار، مرّت أمام البنفسج والبندقيّة خمس ُ بناتٍ. سقطن على باب مدرسة ٍ ابتدائية. للطباشير فوق األصابع لون ُ العصافيرِ.

في شهر آذار قالت لنا األرض أسرارها.

-2-

أُسمّي التراب َ امتدادا ً لروحيِ

أُسمّي يدي ّ رصيف َ الجروح

ْ أُسمّيالحصى أجنحه

أُسمّي العصافير لوزا ً وتينْ

أُسمّي ضلوعي شجرً

وأستل ّ من تينة الصدر غصناْ

وأقذفه ُ كالحجر

وأنسف ُ دبّابة َ الفاتحين .

-3-

وفي شهر آذار، قبل ثالثين عاما ً وخمس حروب،

وُلدت ُ على كومة من حشيش القبور المضيء.

 

عند الظهيرة، مَر ّ الرصاص ُ على قمري الليلكي ِّ فلم ينكسرْ، غير أن ّ الزمان يَمر ّ على قَمَري الليلكي ِّ فيسقط ُ سهواً...ِ

وفي شهر آذار نمتد ُّ في األرض

في شهر آذار تنتشر ُ األرض ُ فيناً

مواعيد َ غامضةً

واحتفاال ً بسيطا

ونكتشف البحر َ تحت النوافذ

والقمر َ الليلكي َّ على السروٍّ

في شهر آذار ندخل ُ أوّل سجن ٍ وندخل ُ أوّل حُب

وتنهمر ُ الذكريات ُ على قرية ً في السياجِ

وُلدنا هناك ولم نتجاوز ظالل السفرجل

كيف تفرّين من سُبُلي يا ظالل السفرجل؟

ٍّفي شهر آذارندخل ُ أوّل حُبٍ

وندخل ُ أوّل سجن

وتنبلج ُ الذكريات ُ عشاء ً من اللغة العربية:

قال لي الحب ُّ يوماً: دخلت ُ إلى الحلم وحدي فضعت ُ وضاع َ بي الحلمُ. قلت ُ تكاثرْ! تَر َ النهر يمشي إليك.

وفي شهر آذار تكتشف األرض أنهارها.

-4-

بالدي البعيدة َ عنّي.. كقلبي!

بالدي القريبة َ مني.. كسجني!

لماذا أغنّي

مكاناً، ووجهي مكانْ؟

لماذا أغنّي

لطفل ٍ ينام ُ على الزعفران؟

وفي طرف النوم خنجر

وأُمّي تناولني

صدرها

وتموت ُ أمامي

بنسمة ِ عنبر؟

-5-ُ

وفي شهر آذار تستيقظ الخيل

سيّدتي األرضَ!

أي ُّ نشيد ٍ سيمشي على بطنك المتموِّج، بعدي؟ٍ

َ وأي ُّ نشيديالئم ُ هذا الندى والبَخُور

كأن َّ الهياكل تستفسر ُ اآلن عن أنبياء فلسطين َ في بدئها المتواصلِ

هذا اخضرار ُ المدى واحمرار ُ الحجارة-

هذا نشيدي

وهذا خروج ُ المسيح من الجرح والريح

أخضر َ مثل النبات يُغطّي مساميرَه ُ وقيودي

وهذا نشيدي

وهذا صعود ُ الفتى العربي ّ إلىالحلم والقدس.

في شهر آذار تستيقظ الخيلُ.

سيّدتي األرضَ!ِ

والقمم ُ اللّولبيَّة ُ تبسطها الخيل ُ سجّادة ً للصالة ِ السريعة

بين الرماح وبين دمي.

نصف دائرة ٍ ترجع ُ الخيل ُ قوسا

 

وفي شهر آذار ينخفض ُ البحر ُ عن أرضنا المستطيلة مثل حصان ٍ علىوتر ِ الجنسِ.ّ

في شهر آذار ينتفض ُ الجنس ُ في شجر الساحل العربي

وللموج أن يحبس الموج َ ... أن يتموّجَ...أن

يتزوّج .. أو يتضرّح بالقطن

أرجوك–َسيّدتي األرض–ِأن تُسكنيني صهيلَكِ

أرجوك أن تدفنيني مع الفتيات الصغيرات بين البنفسج والبندقية

أرجوك–َسيدتي األرض–أن تُخْصبي عُمْري َ المتمايل َ بين سؤالين: كيف؟ وأين؟ُّ

وهذا ربيعي الطليعيُّ

وهذا ربيعي النهائي

في شهر آذار زوَّجت ْ األرض ُ أشجارها.

-6-

كأنّي أعود ُ إلى ما مضى

كأنّي أسير ُ أمامي

وبين البالط وبين الرضا

أُعيد ُ انسجاميْ

أنا ولد ُ الكلمات البسيطهْ

وشهيد ُ الخريطه

أنا زهرة ُ المشمش العائليَّهْ.

فيا أيّها القابضون على طرف المستحيل

من البدء حتّى الجليلَّ

أعيدوا إلي ّ يدي

أعيدوا إلي ّ الهويَّهْ!

-7-ٍ

وفي شهر آذار تأتي الظالل حريرية ً والغزاة ُ بدون ظالل

وتأتي العصافير ُ غامضة ً كاعتراف البنات

وواضحة ً كالحقولُّ

العصافير ُ ظلالحقول على القلب والكلمات.

خديجةُ!

-أين حفيداتك الذاهبات ُ إلى حبِّهن الجديد؟

-ذهبن ليقطفن بعض الحجارة-

قالت خديجة ُ وهي تحث ُّ الندى خلفهنّ.ٍ

وفي شهر آذار يمشي التراب دما ً طازجا ً في الظهيرة. خمس ُ بنات ٍ يخبّئن َ حقال ً من القمح تحت الضفيرة. يقرأن مطلع أنشودةعلى

دوالي الخليل، ويكتبن خمس رسائل:

تحيا بالدي

من الصّفْر ِ حتّى الجليل

ويحلمن بالقدس بعد امتحان الربيع وطرد الغزاة.

خديجةُ! ال تغلقي الباب خلفك

ال تذهبي في السحاب

ستمطر هذا النهارً

ستمطر ُ هذا النهار رصاصا

ستمطر ُ هذا النهار!

وفي شهر آذار، في سنة االنتفاضة،قالت لنا األرض أسرارها الدّمويّةَ: خمس ُ بنات ٍ على باب مدرسة ابتدائيَّة ٍ يقتحمن جنود

المظالّت. يسطع ُ بيت ٌ من الشعر أخضرَ... أخضر.

خمس ُ بنات ٍ على باب مدرسة ابتدائية ينكسرن مرايا مرايا

البنات ُ مرايا البالد على القلبِ..

.

-8-

ُ أنا شاهد ُ المذبحهُ

وشهيد ُ الخريطهُ

أنا ولد ُ الكلمات ُ البسيطه

رأيت ُ الحصى أجنِحة

رأيت الندى أسلِحة

عندما أغلقوا باب قلبي عليّا

وأقاموا الحواجز فيّا

ومنع التجوُّلْ

صار قلبي حارةْ

وضلوعي حجارة

وأطل ّ القرنفل

وأطل ّ القرنفل

-9-

وفي شهر آذار رائحة ٌ للنباتات. هذازواج ُ العناصر. "آذار أقسى الشهور" وأكثرها شَبقاً. أي ّ سيف ٍ سيعبر ُ بين شهيقي وبين زفيري

وال يتكسَّر ُ ! هذا عناقي الزّراعي ُّ في ذروة الحبّ. هذا انطالقي إلى العمر.

فاشتبكي يا نباتات ُ واشتركي في انتفاضة جسمي، وعودة حلمي إلى جسدي.ُ

سوف تنفجر ُ األرض ُ حين أُحقّقهذا الصراخ المكبّل َ بالري ّ والخجل القرويّ.

وفي شهر آذار نأتي إلى هوس الذكريات، وتنمو علينا النباتات ُ صاعدة ً في اتّجاهات كل ّ البدايات. هذا نمو ُّ التداعي. أُسمّي

ُ صعودي إلى الزنزلخت التداعي. رأيت ُ فتاة ً على شاطئ البحر قبل ثالثين عاما ً وقلتُ: أنا الموجُ، فابتعدت ْ في التداعي. رأيت

شهيدين يستمعان إلى البحر: عكّا تجئ مع الموج.

عكّا تروح مع الموج. وابتعدا في التداعي.

ومالت خديجة ُ نحو الندى، فاحترقتُ. خديجةُ! ال تغلقي الباب!

إن َّ الشعوب ستدخل ُ هذا الكتاب وتأفل شمس ُ أريحا بدون ِ طقوس.

فيا وَطَن َ األنبياء...تكاملْ!

ويا وطن الزارعين .. تكاملْ!

ويا وطن الشهداء.. . تكامل!

ويا وطن الضائعين .. تكامل!

فكل ُّ شعاب الجبال امتداد ٌ لهذا النشيد.

وكل ُّ األناشيد فيك امتداد ٌ لزيتونة ٍ زمَّلتني.

 

 

 

 

 

 

 

وال يتكسَّر ُ ! هذا عناقي الزّراعي ُّ في ذروة الحبّ. هذا انطالقي إلى العمر.

فاشتبكي يا نباتات ُ واشتركي في انتفاضة جسمي، وعودة حلمي إلى جسدي.ُ

سوف تنفجر ُ األرض ُ حين أُحقّقهذا الصراخ المكبّل َ بالري ّ والخجل القرويّ.

وفي شهر آذار نأتي إلى هوس الذكريات، وتنمو علينا النباتات ُ صاعدة ً في اتّجاهات كل ّ البدايات. هذا نمو ُّ التداعي. أُسمّي

ُ صعودي إلى الزنزلخت التداعي. رأيت ُ فتاة ً على شاطئ البحر قبل ثالثين عاما ً وقلتُ: أنا الموجُ، فابتعدت ْ في التداعي. رأيت

شهيدين يستمعان إلى البحر: عكّا تجئ مع الموج.

عكّا تروح مع الموج. وابتعدا في التداعي.

ومالت خديجة ُ نحو الندى، فاحترقتُ. خديجةُ! ال تغلقي الباب!

إن َّ الشعوب ستدخل ُ هذا الكتاب وتأفل شمس ُ أريحا بدون ِ طقوس.

فيا وَطَن َ األنبياء...تكاملْ!

ويا وطن الزارعين .. تكاملْ!

ويا وطن الشهداء.. . تكامل!

ويا وطن الضائعين .. تكامل!

فكل ُّ شعاب الجبال امتداد ٌ لهذا النشيد.

وكل ُّ األناشيد فيك امتداد ٌ لزيتونة ٍ زمَّلتني.

-10-ْ

مساء ٌ صغير ٌ على قرية ٍ مُهملهْ

وعيناك نائمتانً

أعود ُ ثالثين عاما

وخمس َ حروبُ

ْ وأشهدأن ّ الزمانْ

يخبّئ لي سنبله

يغنّي المغنّي

عن النار والغرباء

وكان المساء ُ مساء

وكان المغنّي يُغَنّي

ويستجوبونه:

لماذا تغنّي؟

مساء ٌ صغير ٌ على قرية ٍ مُهملهْ

وعيناك نائمتانً

أعود ُ ثالثين عاما

وخمس َ حروبُ

ْ وأشهدأن ّ الزمانْ

يخبّئ لي سنبله

يغنّي المغنّي

عن النار والغرباء

وكان المساء ُ مساء

وكان المغنّي يُغَنّي

ويستجوبونه:

لماذا تغنّي؟

ألنّي أغَنّيُ

وقد فتّشوا صدرَهْ

فلم يجدوا غير قلبهْ

وقد فتّشوا قلبَهْ

فلم يجدوا غير شعبهُ

وقد فتشوا صوتَه

ْ فلم يجدواغير حزنهُ

وقد فتّشوا حزنَهْ

فلم يجدوا غير سجنهُ

وقد فتَّشوا سجنَه

فلم يجدوا غيرهم في القيود

وراء التّاللً

ينام ُ المغنّي وحيدا

وفي شهر آذار

تصعد ُ منه الظالل

 

ألنّي أغَنّيُ

وقد فتّشوا صدرَهْ

فلم يجدوا غير قلبهْ

وقد فتّشوا قلبَهْ

فلم يجدوا غير شعبهُ

وقد فتشوا صوتَه

ْ فلم يجدواغير حزنهُ

وقد فتّشوا حزنَهْ

فلم يجدوا غير سجنهُ

وقد فتَّشوا سجنَه

فلم يجدوا غيرهم في القيود

وراء التّاللً

ينام ُ المغنّي وحيدا

وفي شهر آذار

تصعد ُ منه الظالل

-11-ُ

أنا األمل ُ والسهل ُ والرحب–ِقالت لي األرض ُ والعشب ُ

 

هذا احتمال ُ الذهاب إلى العمر خلف خديجة. لم يزرعوني لكي يحصدونيَ

يريد الهواء الجليلي ُّ أن يتكلّم عنّي، فينعس ُ عند خديجة

يريد الغزال الجليلي ّ أن يهدم اليوم سجني، فيحرس ُ ظل ّ خديجة َ وهي تميل ُ على نارها.

يا خديجةُ! إنّي رأيت ُ .. وصدّقت ُ رؤياي تأخذني في مداها وتأخذني في هواها.أنا العاشق األبديُّ، السجين البديهيّ. يقتبس

البرتقال ُ اخضراري ويصبح ُ هاجس َ يافاَ

أنا األرض ُ منذ عرفت ُ خديجة

لم يعرفوني لكي يقتلونيَ

بوسع النبات الجليلي ّ أن يترعرع بين أصابع كفّي ويرسم هذا المكان الموزّع َ بين اجتهادي وحب ّ خديجة

ِ هذا احتمال الذهاب الجديد إلىالعمر من شهر آذار حتّى رحيل الهواء عن األرض

هذا التراب ُ ترابي

وهذا السحاب ُ سحابيْ

وهذا جبين خديجهُّ

أنا العاشق ُ األبدي–ُّالسجين ُ البديهي

رائحة ُ األرض تُوقظني في الصباح المبكّر..

قيدي الحديدي ُّ يوقظها في المساء المبكّر

هذا احتمال الذهاب ِ الجديد إلىالعمر،

ال يسأل الذاهبون إلى العمر عن عمرهمْ

يسألون عن األرض: هل نَهَضَت

طفلتي األرضَ!

هل عرفوك لكي يذبحوكِ؟

وهل قيّدوك بأحالمنا فانحدرت ِ إلى جرحنا في الشتاء؟

وهل عرفوك ِ لكي يذبحوكِ؟

وهل قيّدوك ِ بأحالمهم فارتفعت ِ إلى حلمنا في الربيعْ؟

أنا األرضُ..

يا أيّهاالذاهبون إلى حبّة القمح في مهدها

احرثوا جَسَدي!

أيّها الذاهبون إلى جبل ِ النار

مُرّوا على جسدي

أيّها الذاهبون إلى صخرة القدس

مُرّوا على جسدي

أيّها العابرون على جسدي

لن تمرّواٍ

أنا األرض ُ في جَسَد

لن تمروا

أنا األرض في صحوها

لن تمروا

أنا األرض. يا أيّها العابرون على األرض في صحوها

لن تمروا

لن تمروا

لن تمروا !

محمود درويش