domingo, 29 de maio de 2011

Séraphine de Senlis

SÉRAPHINE de SENLIS

Séraphine Louis ou Séraphine de Senlis (1864-1942) foi uma pintora naif, francesa e natural da pequena vila de Senlis. Séraphine começou a trabalhar como empregada, antes de se iniciar na pintura. Auto-didacta, a inspiração vir-lhe-ia da fé: pintar era como que uma vontade que os anjos manifestavam através das suas mãos. A pintura realizada por Séraphine (que vemos na imagem) tem um pouco da traça dos vitrais das igrejas. A pintura de Séraphine é intensa na cor, por vezes torna-se num reflexo da complexidade e tumulto em que a actividade artística estava a transformar a sua mente. Séraphine estava entre o êxtase e a loucura. Foi ajudada por um importante mecenas da época.


A vida desta artista serviu de argumento para o mais recente filme de Martin Provot: Séraphine (2008). Yolande Moreau interpreta com elevada magnificência Séraphine Louis, num filme envolvente em que a câmara demora nas paisagens, nos gestos e nas expressões. Vencedor de 7 prémios César, incluindo o de melhor filme e melhor actriz, Séraphine é mais um exemplo de que o cinema de autor não morreu.

Publicada por Artlover em 00:16

quinta-feira, 19 de maio de 2011

GUIMARÃES ROSA

"Há uma hora certa, no meio da noite, uma hora morta, em que a água dorme. Todas as águas dormem: no rio, na lagoa, no açude, no brejão, nos olhos d'água, nos grotões fundos. E quem ficar acordado, na barranca, a noite inteira, há de ouvir a cachoeira parar a queda e o choro, que a água foi dormir... Águas claras, barrentas, sonolentas, todas vão cochilar. Dormem gotas, caudais, seivas das plantas, fios brancos, torrentes. O orvalho sonha nas placas da folhagem e adormece. Até a água fervida, nos copos de cabeceira dos agonizantes... Mas nem todas dormem, nessa hora de torpor líquido e inocente. Muitos hão de estar vigiando, e chorando, a noite toda, porque a água dos olhos nunca tem sono..."




( Sono das Águas - Guimarães Rosa)

ARTUR BARRÍO - Prémio Velásquez de Artes Plásticas

sábado, 14 de maio de 2011

EUGÉNIO DE ANDRADE

As palavras





São como um cristal,


as palavras.


Algumas, um punhal,


um incêndio.


Outras,


orvalho apenas.






Secretas vêm, cheias de memória.


Inseguras navegam:


barcos ou beijos,


as águas estremecem.






Desamparadas, inocentes,


leves.


Tecidas são de luz


e são a noite.


E mesmo pálidas


verdes paraísos lembram ainda.






Quem as escuta? Quem


as recolhe, assim,


cruéis, desfeitas,


nas suas conchas puras?



Eugénio de Andrade

quinta-feira, 5 de maio de 2011

FRANCISCO TROPA (n.1968), representará Portugal na 54ª Bienal de Veneza, 4 de Junho a 27 de novembro.

CARLOS DE OLIVEIRA (1921-1981)

Carlos de Oliveira, in 'Mãe Pobre'  

Cantiga do Ódio







O amor de guardar ódios


agrada ao meu coração,


se o ódio guardar o amor


de servir a servidão.


Há-de sentir o meu ódio


quem o meu ódio mereça:


ó vida, cega-me os olhos


se não cumprir a promessa.


E venha a morte depois


fria como a luz dos astros:


que nos importa morrer


se não morrermos de rastros?





terça-feira, 3 de maio de 2011

João Cabral de Melo neto

Morte e vida severina


(Auto de Natal Pernambucano)



João Cabral de Melo Neto






O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI



— O meu nome é Severino,

como não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria;

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco:

há muitos na freguesia,

por causa de um coronel

que se chamou Zacarias

e que foi o mais antigo

senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem fala

ora a Vossas Senhorias?

Vejamos: é o Severino

da Maria do Zacarias,

lá da serra da Costela,

limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:

se ao menos mais cinco havia

com nome de Severino

filhos de tantas Marias

mulheres de outros tantos,

já finados, Zacarias,

vivendo na mesma serra

magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas,

e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos

iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

mesma morte severina:

que é a morte de que se morre

de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte,

de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos

iguais em tudo e na sina:

a de abrandar estas pedras

suando-se muito em cima,

a de tentar despertar

terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar

algum roçado da cinza.

Mas, para que me conheçam

melhor Vossas Senhorias

e melhor possam seguir

a história de minha vida,

passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.