terça-feira, 18 de julho de 2017

Sobre EZRA POUND

o Rubens da Poesia
Por ser eu Escrever, os meus Tristes deixaram-me também assinar este Está Escrito, lugar onde cada um de nós pode cantar os escritores, livros, poemas que mais nos apaixonaram na vida.
A literatura é como um altar. E nem sei para que, Triste, quero a conjunção. Recomeço: a literatura é o altar. Não há lugar no altar para outra coisa que não sejam heróis ou deuses.
Um poeta, um génio, um conservador anárquico e primitivo, um espírito perverso e revolucionário, trouxe-me, pela mão, por este caminho. Li-lhe os epigramas, os poemas que são Cantos. Mas depois – “a cor da água depende do leito do rio, das margens que a apertam e por que ela passa” – vi o amor a-cronológico dele pelos poetas, por Teócrito ou Yeates, pelos mortos e pelos ainda vivos quando ele estava vivo, e descobri que se um poeta é, então é nosso contemporâneo. Ou não é poeta. A Idade Média é hoje e hoje é a Idade Média. A alvorada de Camões é a meia-noite de Walt Withman. Não há épocas, não há tempo, há poetas e poemas obsessivamente contemporâneos.
Em onze páginas que li em livro de bolso, Ezra Pound saudou Camões. O poeta americano, fascista, cantou Luis de Camões, poeta português, que cantou a mudança de que todo o tempo é composto e das qualidades dessa mudança fez a sua filosofia.
Pound, naquele brevíssimo ensaio, fala de um tempo em que o mundo se alargou. Caíra Constantinopla e cortadas as rotas das caravanas era preciso buscar o Oriente, o mesmo Oriente que ironicamente, agora, de novo buscamos, ou que, inocentemente, hoje nos assalta.
Ainda o posterior Lope de Veja tinha um pé na Idade Média e já o anterior Camões, diz Pound, é um sintoma do tempo novo, renascentista. Arquitecto, prossegue, de uma força literária barroca sem o qual não haveria Shakespeare – não sei se é exactamente o que ele diz, mas é exactamente o que quero que ele diga.
Pound está a falar da poesia de Camões e de “Os Lusíadas”. Leio-vos só, entre scones e chá, este bocadinho:
Os ingleses não terão a mais pequena ideia da beleza da sua obra enquanto os tradutores se obstinarem em converter cada palavra portuguesa numa palavra inglesa com a mesma raíz latina.
A tradução de Camões com palavras de origem saxónica exigiria que se estudasse a dicção com o mesmo cuidado que o autor, mas conservando a força do original.
Pound elabora sobre a ênfase e o esplendor do poeta português, reconhece-lhe o vigor e a integridade e conclui: “Camões é o Rubens da Poesia.
Pound caminha sobre “Os Lusíadas” como quem sobe pela primeira vez uma montanha. Vê na obra o sentimento da multidão, do povo, da História daquela época. Deixa-se fascinar pela novidade da remota geografia, pelos costumes bizarros de povos longínquos, elogia-lhe o sopro poderoso, o prazer que se solta da sonoridade dos versos. Pound gosta do que em português ele chama versos simples e directos de Camões, infelizmente prejudicados pela tentativa de conservação da ordem das rimas nas traduções que conhecia.
Mestre de uma língua e do seu ritmo, como cada estrofe de “Os Lusíadas” atesta, exemplo de “um alto estilo mantido ao longo de dez Cantos”, Camões é poeta de uma poesia mais próxima da música, da pintura e da escultura do que de toda essa literatura que não é poesia.
Afinal a poesia é o altar. Sobre ele, como num Livro, o antiquíssimo Pound escreve o contemporâneo Camões. Para que voltemos a lê-lo.

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