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Últimas Cartas ao Meu Irmão Théo, de Van Gogh
Não
haverá, na pintura, muitas histórias tão fascinantes como a de Van
Gogh. Nem haverá, na vida em geral, muitas relações fraternas tão
comoventes como a que Vincent mantinha com Théo. Além do permanente
apoio emocional, foi o suporte financeiro dado pelo irmão mais novo que
permitiu a Van Gogh dedicar-se em exclusivo à pintura. Em muitas das
cartas que escreve ao irmão, Vincent começa por agradecer a “nota de 50
francos” e as tintas, telas e materiais de desenho que Théo lhe enviava
pelo correio numa base mensal.
O
livro compila a intensa correspondência enviada por Van Gogh ao irmão –
as cartas que recebia de Théo desapareceram – no último ano e meio de
vida, entre março de 1889 e julho de 1890. Nessa fase, o estado mental
de Vincent é muito instável. Por vezes parece sereno, outras é consumido
pela angústia e atormentado por alucinações.
“Aperto
com força a tua mão, em espírito; não sei se te escreverei muitas
vezes, porque nem todos os meus dias são suficientemente lúcidos para te
escrever com um pouco de lógica”, desabafa numa carta. As primeiras
missivas são enviadas a partir do asilo de Saint-Rémy, onde Vincent foi
compulsivamente internado, depois de um abaixo-assinado subscrito por
vários habitantes de Arles, no sul de França, onde então vivia, que,
hiperbolizando alguns episódios de maior excentricidade ou
“sobre-excitação” de Vincent, alegavam que o pintor era um perigo para a
segurança do bairro. “Naturalmente que isto foi um golpe rude para mim,
que diligenciava ser amigo de todos e não desconfiava de ninguém”,
escreve, numa carta de 19 de março de 1889.
Curiosamente,
é à medida que o seu estado mental fica mais instável que Van Gogh
pinta alguns dos seus quadros mais emblemáticos e que a sua obra começa
finalmente a conseguir algum reconhecimento entre a comunidade artística
– embora só consiga vender um único quadro até morrer. “Meu caro irmão,
reflexão feita, não digo que o meu trabalho esteja de todo bem, mas é o
que ainda consigo fazer de menos mau. Tudo o resto, como as relações
com as pessoas, tudo isso é muito secundário, pois não detenho talento
para tal. Nesse campo, pouco ou nada posso fazer”, confessa, numa carta
de 21 de maio de 1890.
Poucos
meses depois, a 27 de julho, durante um passeio pelo campo em
Auvers-sur-Oise, para onde entretanto se mudara, Vincent dispara sobre
si mesmo um tiro no peito. Consegue cambalear durante a noite até à
pensão onde vivia, mas não pede ajuda a ninguém e sobe em silêncio até
ao quarto, onde horas mais tarde acaba por ser encontrado ferido. O
médico que é chamado para o salvar não consegue remover a bala. Vincent
morre dois dias depois, passando as últimas horas em desespero para
conseguir manter-se vivo até à chegada do irmão. Théo chega a tempo da
despedida. Encontra-o deitado na cama, a fumar cachimbo, aparentemente
sereno. Deita-se a seu lado e ampara-lhe a cabeça. Nos seus braços,
Vincent diz-lhe: “É assim que eu gostaria de morrer”. E foi assim que
morreu.
Théo
nunca recuperou da perda do irmão. Morreu seis meses depois, em janeiro
de 1891, com apenas 33 anos. Foi sepultado ao lado de Vincent, em
Auvers.» in Expresso curto 19/11/2018 Joana Pereira Bastos
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