sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

ARTE PROCESSUAL

novo mundo
INTERATIVIDADE
Da arte-processo ao processo-arte
Por Roberta Alvarenga
 
Mostras de webarte e VJs em galerias apontam a necessidade de revisão dos juízos estéticos

Os tempos mudaram e a arte não é mais para ser vista. Bio art, web art, net art e ambientes imersivos (voltados para a rede ou não) exploram um outro tipo de virtualidade que demanda interação ao invés de contemplação e introspecção.
O artista romântico morreu, não se trata mais apenas de um ser criativo com extrema sensibilidade, dotado de "dons" e visão particular do mundo. O novo artista agora é um mix de pesquisador com cientista, que faz ou contrata para fazer, que se não possui ferramentas necessárias as cria, recria, programa, desenvolve, imagina e constrói.
A obra não é mais o resultado, agora é o processo; a contemplação não é mais sinônimo de observação e sim de experimentação/interação.
Para os artistas do século 21, o computador não é apenas mais uma ferramenta, é a ferramenta das ferramentas. Por meio dele, dados, cores, imagens, sons, vídeos, DNA e etc. são manipulados e somados às suas pesquisas, resultam em novos conceitos e práticas que um dia foi ficção no melhor estilo.
Inspirados pela imensa possibilidade de criação deste "admirável mundo novo" reúnem-se vez ou outra para mostrar e discutir seus projetos. Encontros, seminários, simpósios, workshops e festivais congregam todos aqueles que têm propostas para divulgar, promover e incentivar as manifestações que se utilizam da linguagem eletrônica.
Os últimos meses parecem mesmo comprovar que esses eventos vêm ganhando espaço e se tornando cada vez mais necessários. Como o Arte e Pesquisa 2003 - 3º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, realizado em julho na UnB (Universidade de Brasília).
Nos três dias de imersão total os artistas-pesquisadores apresentaram seus trabalhos/projetos, falaram de novas tendências, de tecnologias e das dificuldades técnicas, lógicas e financeiras, o que aparentemente não os impede de continuar a produzir.
Basta mencionar alguns para desfazer qualquer dúvida, e aí vão eles: “Trambula”, de Tânia Fraga, que visa implementar um caminhão midíatico para divulgar a arte contemporânea por todo o território nacional; “PocketCave”, de Diana Domingues, que construiu um sistema de realidade virtual portátil, e “Bodyarchitecture”, de Rejane Cantoni, que explora a computação ubíqua, realidade virtual, realidade aumentada e bits tangíveis, dando continuidade a investigações iniciadas com o importante projeto “OPE_RA”, realizado com Daniela Kutschat, premiado no Transmídia do Itaú Cultural em 2002.
Neste clima de vitrine do universo arte hi-tech, recentemente, pudemos acompanhar também a 4º edição do FILE (Festival Internacional de Linguagem Eletrônica), uma iniciativa independente organizada por Paula Perissinotto e Ricardo Barreto, no Paço das Artes (Cidade Universitária – USP), que resultou em uma mostra composta de Exposição, Hypersonica e Symposium, em agosto.
Assim como o Arte e Pesquisa 2003, o FILE foi intenso. Temas diversificados referentes aos estudos e pesquisas ligados às “novas” artes e cultura digital foram o foco das abordagens dos artistas-teóricos presentes.
Na noite de abertura do Symposium, em 19 de agosto, no Centro Cultural Britânico, para um auditório lotado, Lúcia Santaella falou sobre os desafios do pós-humano, destacando:
"Em tempos de mutação temos que ficar perto dos artistas, pelo simples fato de que parafraseando Lacan, eles sabem sem saber que sabem. Semelhante a este, há um dictum de Goethe que vale a pena mencionar: ‘Há um empirismo da sensibilidade que se identifica muito intimamente com o objeto e assim se torna propriamente falando, teoria. É de fato uma espécie de teoria não verbal e poética que os artistas criam na sua aproximação sensível dos enigmas do real’. Por isso, sou movida pela convicção de que, nessa entrada do terceiro ciclo evolutivo da espécie humana, temos de prestar atenção no que os artistas estão fazendo. Pressinto que são eles que estão criando uma nova imagem do ser humano no vórtice de suas atuais transformações. São os artistas que nos têm colocado frente a frente com a face humana das tecnologias".
Na semana que se seguiu os artistas brasileiros e estrangeiros delinearam o mapa da arte e tecnologia no país ao apresentarem seus trabalhos. E provaram que realmente merecem atenção. “Corpos Informáticos”, de Maria Beatriz Medeiros, por exemplo, vem pesquisando performance e telepresença (presença em tempo real, ou quase real, mediada pela tecnologia), por meio do uso de softwares como o netmeeting e i-visit.
Destaque também para a rigorosa investigação experimental sobre interfaces coevolutivas e processos de comunicação entre corpo que dança e computador de Rachel Zuanon. A artista apresentou seu projeto que envolve a captação de sinais cerebrais, um estudo complexo que esbarra nas barreiras do corpo, arte e ciência.
Com essa pauta e mais arte wireless, realidade virtual, novo cinema e direitos autorais, o FILE Symposium, seguiu durante a terceira semana de agosto, onde foram apresentadas 20 palestras, 4 mesas redondas e 3 performances.
Voltando à agenda do evento, no dia 16 foi a vez do Hypersonica, uma versão performática onde Djs e Vjs apresentaram suas mais novas criações em tempo real.
Essas vídeo-performances, que até pouco tempo atrás eram apresentadas em espaços expositivos diferentes ao do mundo das artes, vêm se tornando cada vez mais comuns. Geralmente apresentadas como “algo” a mais no clubs e discotecas da noite paulistana, Vjs e Djs, responsáveis pelo “show”, agora são artistas.
Segundo o VJ Alexis, que se apresentou nessa primeira edição na tarde de sábado, também no Paço das Artes, "o Hypersonica é só a ponta do iceberg que está surgindo no horizonte artístico brasileiro. Faço performances repentistas com imagens há quatro anos, mas somente agora abrem-se espaços institucionais para esse tipo de proposta. Parece que o mainstream artístico 'erudito' sempre leva alguns anos para entender o que o ‘underground’ está fazendo".
Na noite do dia 13, quarta-feira, foi inaugurada a Exposição da 4ª edição do FILE. Ambiente fechado, teto baixo, espaço escuro sem iluminação, telas brancas presas no teto (para receber a projeção de imagens) e seus respectivos computadores espalhados pelo ambiente, causaram uma certa vertigem em quem por ali passou.
O visitante foi convidado a interagir através do “tradicional desktop”. As “obras” ali “arquivadas” sem texto introdutório ou resumo o deixaram sem saber em que trabalho clicar. A alternativa/solução mais moderna e confortável é a versão site, que nos permite acessar os trabalhos de qualquer lugar do globo, a qualquer hora e data.
Em meados de setembro foi a vez da exposição “Imagem não Imagem”, com curadoria de Christine Mello, aberta na Galeria Vermelho. Este evento serviu para acentuar a reflexão sobre a arte eletrônica em espaços institucionais.
Tratava-se de uma exposição sobre o próprio ato criativo, em que os artistas e grupos (Bruno de Carvalho, Lucas Bambozzi, Luiz Duva, Neide Jallageas, Simone Michelin, Spetto, grupos, Corpos Informáticos, feitoamãos/F.A.Q. e NeoTao) foram convidados para criar a partir de procedimentos e etapas comuns:
1. Todos deveriam assistir o filme “Complemento Nacional”, de Arlindo Machado (1978), e de acordo com as idéias conceituais nele apresentadas, associar um trabalho pessoal preexistente ou não.
2. Os trabalhos selecionados foram reunidos sob a forma de um banco de dados coletivo.
3. O banco de dados foi disponibilizado e oferecido à (re)criação da matéria comum.
"Embora os criadores envolvidos tenham tido acesso a um mesmo contexto conceitual e a um banco de dados comum de imagens e sons, é possível observar as mais distintas formas de abordar estas realidades. A exposição diz respeito, assim, a mostrar instâncias da criação possibilitadas pela recombinação do discurso das mídias, capaz de nos oferecer linguagens híbridas, bem como novas modalidades de circulação da imagem", afirma Christine Mello no folder da exposição.
Aos que pretendem visitar a mostra, apenas para lembrá-los, não se esqueçam que os trabalhos apresentados estarão em formato vídeo, já que as apresentações do procedimento número 3 foram ao vivo. Quem esteve presente acompanhou performances que agora já não podem ser mais experimentadas da mesma forma. Os trabalhos se tornaram documentações.
A pergunta é: se os trabalhos não são mais os mesmos, e há muito tempo já extrapolaram a questão do limite físico, devemos continuar a exibi-los da mesma maneira de séculos atrás?
Parece-me que estamos presos ao velho paradigma da exposição...
Já que os tempos mudaram, e nada mais é como antes, temos que repensar a maneira como eles devem ser exibidos. A palavra “exposição” possui um significado antigo, de museologia, que nos remete a idéia de quadros pendurados nas paredes e esculturas apoiadas, onde a documentação torna-se a obra, ignorando o que faz, desse tipo de arte, arte: o processo.
link-se
Tânia Fraga http://www.lsi.usp.br/~tania/tania.htm
Diana Domingues http://artecno.ucs.br
OP_ERA http://www.op-era.com
Festival Internacional de Linguagem Eletrônica http://www.file.org.br
Corpos Informáticos - http://www.corpos.org
Rachel Zuanon - http://www.zuannon.com.br/
VJ Alexis http://www.vjalexis.com.br
Galeria Vermelho http://www.galeriavermelho.com.br
Bruno de Carvalho - http://www.desobdc.hpg.ig.com.br/bdc.html
Lucas Bambozzi - http://comum.com/lucas/works/
Neide Jallageas - http://www.neidejallageas.hpg.ig.com.br
Simone Michelin http://www.smichelin.art.br/
NeoTao http://www.chez.com/neotao/neotao.htm
Roberta Alvarenga
É pesquisadora visitante da Ohio State University (EUA) e aluna do curso de tecnologia e mídias digitais da PUC-SP.

 
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